A Era Gilmar Mendes

Alexbezerra

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A Idade Mendes​


No fim das contas, a função primordial do ministro Gilmar Mendes à frente do Supremo Tribunal Federal foi a de produzir noticiário e manchetes para a falange conservadora que tomou conta de grande parte dos veículos de comunicação do Brasil. De forma premeditada e com muita astúcia, Mendes conseguiu fazer com que a velha mídia nacional gravitasse em torno dele, apenas com a promessa de intervir, como de fato interveio, nas ações de governo que ameaçavam a rotina, o conforto e as atividades empresariais da nossa elite colonial. Nesse aspecto, os dois habeas corpus concedidos ao banqueiro Daniel Dantas, flagrado no mesmo crime que manteve o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda no cárcere por 60 dias, foram nada mais que um cartão de visitas. Mais relevante do que tudo foi a capacidade de Gilmar Mendes fixar na pauta e nos editoriais da velha mídia a tese quase infantil da existência de um Estado policialesco levado a cabo pela Polícia Federal e, com isso, justificar, dali para frente, a mais temerária das gestões da Suprema Corte do País desde sua criação, há mais cem anos.

Num prazo de pouco menos de dois anos, Mendes politizou as ações do Judiciário pelo viés da extrema direita, coisa que não se viu nem durante a ditadura militar (1964-1985), época em que a Justiça andava de joelhos, mas dela não se exigia protagonismo algum. Assim, alinhou-se o ministro tanto aos interesses dos latifundiários, aos quais defende sem pudor algum, como aos dos torturadores do regime dos generais, ao se posicionar publicamente contra a revisão da Lei da Anistia, de cuja à apreciação no STF ele se esquivou, herança deixada a céu aberto para o novo presidente do tribunal, ministro Cezar Peluso. Para Mendes, tal revisão poderá levar o País a uma convulsão social. É uma tese tão sólida como o conto da escuta telefônica, fábula jornalística que teve o presidente do STF como personagem principal a dialogar canduras com o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás.

A farsa do grampo, publicada pela revista Veja e repercutida, em série, por veículos co-irmãos, serviu para derrubar o delegado Paulo Lacerda do comando da PF, com o auxílio luxuoso do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que se valeu de uma mentira para tal. E essa, não se enganem, foi a verdadeira missão a ser cumprida. Na aposentadoria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá tempo para refletir e registrar essa história amarga em suas memórias: o dia em que, chamado “às falas” por Gilmar Mendes, não só se submeteu como aceitou mandar para o degredo, em Portugal, o melhor e mais importante diretor geral que a Polícia Federal brasileira já teve. O fez para fugir de um enfrentamento necessário e, por isso mesmo, aceitou ser derrotado. Aliás, creio, a única verdadeira derrota do governo Lula foi exatamente a de abrir mão da política de combate permanente à corrupção desencadeada por Lacerda na PF para satisfazer os interesses de grupos vinculados às vontades de Gilmar Mendes.

O presidente do STF deu centenas de entrevistas sobre os mais diversos assuntos, sobretudo aqueles sobre os quais não poderia, como juiz, jamais se pronunciar fora dos autos. Essa é, inclusive, a mais grave distorção do sistema de escolha dos nomes ao STF, a de colocar não-juízes, como Mendes, na Suprema Corte, para julgar as grandes questões constitucionais da nação. Alheio ao cargo que ocupava (ou ciente até demais), o ministro versou sobre tudo e sobre todos. Deu força e fé pública a teses as mais conservadoras. Foi um arauto dos fazendeiros, dos banqueiros, da guarda pretoriana da ditadura militar e da velha mídia. Em troca, colheu farto material favorável a ele no noticiário, um relicário de elogios e textos laudatórios sobre sua luta contra o Estado policial, os juízes de primeira instância, o Ministério Público e os movimentos sociais, entre outros moinhos de vento vendidos nos jornais como inimigos da democracia.

Na imprensa nacional, apenas CartaCapital, por meio de duas reportagens (“O empresário Gilmar” e “Nos rincões de Mendes”), teve coragem de se contrapor ao culto à personalidade de Mendes instalado nas redações brasileiras como regra de jornalismo. Por essa razão, somos, eu e a revista, processados pelo ministro. Acusa-nos, o magistrado, de má fé ao divulgar os dados contábeis do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), uma academia de cursinhos jurídicos da qual Mendes é sócio. Trata-se de instituição construída com dinheiro do Banco do Brasil, sobre terreno público praticamente doado pelo ex-governador do DF Joaquim Roriz e mantido às custas de contratos milionários fechados, sem licitação, com órgãos da União.

Assim, a figura de Gilmar Mendes, além de tudo, está inserida eternamente em um dos piores momentos do jornalismo brasileiro. E não apenas por ter sido o algoz do fim da obrigatoriedade do diploma para se exercer a profissão, mas, antes de tudo, por ter dado enorme visibilidade a maus jornalistas e, pior ainda, fazer deles, em algum momento, um exemplo servil de comportamento a ser seguido como condição primordial de crescimento na carreira. Foi dessa simbiose fatal que nasceu não apenas a farsa do grampo, mas toda a estrutura de comunicação e de relação com a imprensa do STF, no sombrio período da Idade Mendes.

Emblemática sobre essa relação foi uma nota do informe digital “Jornalistas & Companhia”, de abril de 2009, sobre o aniversário do publicitário Renato Parente, assessor de imprensa de Gilmar Mendes no STF (os grifos são originais):

“A festa de aniversário de 45 anos de Renato Parente, chefe do Serviço de Imprensa do STF (e que teve um papel importante na construção da TV Justiça, apontada como paradigma na área da tevê pública), realizada na tarde do último domingo (19/4), em Brasília, mostrou a importância que o Judiciário tem hoje no cenário nacional. Estiveram presentes, entre outros, a diretora da Globo, Sílvia Faria, a colunista Mônica Bergamo, e o próprio presidente do STF, Gilmar Mendes, entre outros.”

Olha, quando festa de aniversário de assessor de imprensa serve para mostrar a importância do Poder Judiciário, é sinal de que há algo muito errado com a instituição. Essa relação de Renato Parente com celebridades da mídia é, em todos os sentidos, o pior sintoma da doença incestuosa que obriga jornalistas de boa e má reputação a se misturarem, em Brasília, em cerimônias de beija-mão de caráter duvidoso. Foi, como se sabe, um convescote de sintonia editorial. Renato Parente é o chefe da assessoria que, em março de 2009, em nome de Gilmar Mendes, chamou o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), às falas, para que um debate da TV Câmara fosse retirado do ar e da internet. Motivo: eu critiquei o posicionamento do presidente do STF sobre a Operação Satiagraha e fiz justiça ao trabalho do delegado federal Protógenes Queiroz, além de citar a coragem do juiz Fausto De Sanctis ao mandar prender, por duas vezes, o banqueiro Daniel Dantas.

Certamente em consonância com o “paradigma na área de tevê pública” da TV Justiça tocada por Renato Parente, a censura na Câmara foi feita com a conivência de um jornalista, Beto Seabra, diretor da TV Câmara, que ainda foi mais além: anunciou que as pautas do programa “Comitê de Imprensa”, a partir dali, seriam monitoradas. Um vexame total. Denunciei em carta aberta aos jornalistas e em todas as instâncias corporativas (sindicatos, Fenaj e ABI) o ato de censura e, com a ajuda de diversos blogs, consegui expor aquela infâmia, até que, cobrada publicamente, a TV Câmara foi obrigada a capitular e recolocar o programa no ar, ao menos na internet. Foi uma das grandes vitórias da blogosfera, até então, haja vista nem um único jornal, rádio ou emissora de tevê, mesmo diante de um gravíssimo caso de censura e restrição de liberdade de expressão e imprensa, ter tido coragem de tratar do assunto. No particular, no entanto, recebi centenas de e-mails e telefonemas de solidariedade de jornalistas de todo o país.

Não deixa de ser irônico que, às vésperas de deixar a presidência do STF, Gilmar Mendes tenha sido obrigado, na certa, inadvertidamente, a se submeter ao constrangimento de ver sua gestão resumida ao caso Daniel Dantas, durante entrevista no youtube. Como foi administrada pelo Google, e não pelo paradigma da TV Justiça, a sabatina acabou por destruir o resto de estratégia ainda imaginada por Mendes para tentar passar à história como o salvador da pátria ameaçada pelo Estado policial da PF. Ninguém sequer tocou nesse assunto, diga-se de passagem. As pessoas só queriam saber dos HCs a Daniel Dantas, do descrédito do Judiciário e da atuação dele e da família na política de Diamantino, terra natal dos Mendes, em Mato Grosso. Como último recurso, a assessoria do ministro ainda tentou tirar o vídeo de circulação, ao menos no site do STF, dentro do sofisticado e democrático paradigma de tevê pública bolado por Renato Parente.

Como derradeiro esforço, nos últimos dias de reinado, Mendes dedicou-se a dar entrevistas para tentar, ainda como estratégia, vincular o próprio nome aos bons resultados obtidos por ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), embora o mérito sequer tenha sido dele, mas de um juiz de carreira, Gilson Dipp. Ministro do Superior Tribunal de Justiça e corregedor do órgão, Dipp foi nomeado para o cargo pelo presidente Lula, longe da vontade de Gilmar Mendes. Graças ao ministro do STJ, foi feita a maior e mais importante devassa nos tribunais de Justiça do Brasil, até então antros estaduais intocáveis comandados, em muitos casos, por verdadeiras quadrilhas de toga.

É de Gilson Dipp, portanto, e não de Gilmar Mendes, o verdadeiro registro moralizador do Judiciário desse período, a Idade Mendes, de resto, de triste memória nacional.

Mas que, felizmente, se encerra hoje.

Fonte: http://brasiliaeuvi.wordpress.com/2010/04/23/a-idade-mendes/
 
Prefiro esse:

MENDES LEMBROU AO PAÍS QUE UM GOVERNANTE É ELEITO PARA SER SERVO DA CONSTITUIÇÃO, NÃO O SEU SENHOR
sexta-feira, 23 de abril de 2010 | 6:07

Um grande brasileiro deixa hoje a presidência do Supremo Tribunal Federal: o ministro Gilmar Mendes. Assume o posto seu colega Cezar Peluso. São honestas as leituras que apontam que haverá uma mudança de estilo. O presidente que entra tende a ser mais reservado, especialmente no contato com a imprensa, do que o presidente que sai. Mas não passa de vigarice ideológica a sugestão de que, com Peluso, a Corte volta ao seu natural, cessando o período de superexposição supostamente desnecessária e exorbitante, a que teria sido submetida por Gilmar Mendes. Trata-se de uma leitura vigarista porque isso não aconteceu.

Mendes cumpriu dois papéis fundamentais: um de caráter executivo — pondo para funcionar o Conselho Nacional de Justiça — e outro de natureza institucional, defendendo o Poder Judiciário de afrontas que partiram do Executivo, do Legislativo e, às vezes, de instâncias do próprio Judiciário. Coube-lhe lembrar sempre que os 11 ministros estão na Corte para exercer o direito achado nas leis, não o direito achado na rua. E isso, certamente, incomodou muita gente. Ele acabou alvo preferencial de boa parte do que não presta no Brasil, em especial das correntes que acreditam que se pode atropelar a democracia — e seu devido arcabouço legal — para fazer “justiça”.

O presidente que sai, quando no exercício do cargo, evidenciou que o particular senso de justiça de grupos organizados, ou mesmo de justiceiros, nem sempre atende aos interesses do conjunto dos brasileiros, consubstanciados na Constituição. E este Gilmar Mendes merece ser aplaudido.

Fala-se do estilo mais reservado de Peluso? Pode ser. Mas espero, ou então estará faltando a uma de suas funções, que reaja com a mesma presteza de Mendes se, na sua gestão, sofrer o Judiciário as mesmas afrontas de que foi alvo no tempo em que esteve sob a liderança de Mendes. Nem sempre, felizmente, o antecessor de Peluso falou “nos autos”, o que não quer dizer que tenha falado “fora dos autos”. Se o chefe do Executivo — notem que estou tratando de chefes de Poderes — demonstra inconformismo com o fato de que as pessoas sejam obrigadas a cumprir decisões judiciais, resta ao chefe do Judiciário, INSTITUCIONALMENTE, lembrar que todos estamos submetidos às leis. Se um decreto , como o Programa Nacional-Socialista de Direitos Humanos, na prática, cassa a prerrogativa de um juiz de conceder liminar de reintegração de posse, o presidente do Supremo está obrigado a se pronunciar publicamente a respeito. Não, não é preciso esperar que tal matéria “chegue” ao Supremo…


Gilmar Mendes sempre foi para o debate quando grupos organizados, dentro e fora do poder, decidiram questionar não o resultado do jogo, mas as suas regras. E as regras até podem ser discutidas, sim, mas no ambiente adequado. Não é na base do grito.

E por que se tornou, então, o inimigo público nº 1 de certos grupos, em especial do subjornalismo de aluguel da Internet? Em primeiríssimo lugar, porque foi indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Atacar o ministro era parte da tentativa calhorda de desconstruir o governo anterior. Em segundo lugar, mas não menos importante — e, nesse caso, o temperamento, de fato e felizmente, faz diferença —, porque Mendes não se deixa intimidar por correntes de opinião. E não faz questão nenhuma de ser o queridinho dos politicamente corretos. Nem dos incorretos. Decide segundo o texto da lei, sem qualquer apelo à demagogia. E isso, em tempos em que ministros preferem ser amados a ser justos, pode ser realmente um problema.

Os dois habeas corpus concedidos a Daniel Dantas — rigorosamente legais, o que não torna o banqueiro um sacerdote do bem — lhe renderam uma corrente de maledicência. Digamos que pudesse haver divergência quanto ao primeiro — um ou outro ministros poderiam discordar da decisão —, o fato é que a concessão do segundo, além de legal, serviu para resguardar a autoridade da Corte, que não pode ser desmoralizada, ainda que achemos todos que Dantas não é flor que se cheire. E cumpre lembrar que o habeas corpus foi depois referendado pelo tribunal.

Mendes conteve, sim — e estou certo de que Peluso faria ou pode fazer o mesmo em circunstâncias idênticas —, os arroubos escancaradamente inconstitucionais de setores destrambelhados da Polícia Federal e da Abin. E as instituições lhe devem ser gratas por isso. Não por acaso, os principais alvos de sua ação clara, feita à luz do dia, não ocupam mais seus respectivos cargos. Não porque foram perseguidos por Mendes, que não tinha poder para tanto, mas porque estavam em desacordo com AS LEIS E AS REGRAS que regiam os dois órgãos.

Elogiar Peluso como a afirmar que, em circunstâncias idênticas, ele teria preferido o silêncio à ação corresponde a lhe fazer um convite à omissão, coisa, que estou certo, não vai acontecer. Em seu voto exemplar no caso do terrorista Cesare Battisti, o novo presidente do Supremo parece ter deixado bastante claro que não é suscetível à gritaria de grupos de pressão.

Devemos a Mendes, além dos avanços óbvios no Conselho Nacional de Justiça, a defesa clara e desassombrada das instituições e da independência entre os Poderes. Mais do que ninguém, ele nos lembrou que, na democracia, não existe um Poder soberano.

O supremo mandatário é eleito para ser servo da Constituição, não o seu senhor. Que Peluso faça frutificar a herança bendita de Mendes!

Fonte:
http://veja.abril.com.br/blog/reina...a-ser-servo-da-constituicao-nao-o-seu-senhor/
 
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Elune eu prefiro esse



No lugar dessa babação da VEJA que sabemos pra quem trabalha. Q alias, dela não poderia esperar coisa diferente. Tbm prefiro as muitas manifestações dos Juizes de 1° classe (Concursados e competentes) repudiando o Gilmar Mendes. Realmente Veja e Gilmar tudo haver.
 
Última edição:
Concordo em relação à VEJA, mas Reinaldo Azevedo é transparência ;), ele tem o meu respeito.
 
Tudo isso nos leva a uma reflexão, é fato que o governo FHC sempre atendeu os interesses da elite e da imprensa brasileira, e ao final de oito anos de mandato passando o poder pra um ex- lider sindicalista nordestino com aspirações socialistas, grande euforia pela esquerda ter entrado no poder, certamente deixaram os grupos históricamente protegidos em pânico, mais a proteção pelo menos parcial desses grupos estava garantida, uma vez que as nomeações para ministro e presidência do STF sempre tinham segundas intenções, e aprovação desses nomes no senado sempre ocorria devido a grande mobilização dos partidos interessados, e um desses nomes aprovados era o de Gilmar Mendes que já havia tido vários cargos importantes no governo FHC.

Quando GM chegou a presidencia do STF já começou a mexer seus pauzinhos pra livrar a cara de alguns partidários, entre eles José Serra, coincidência? naquele momento poderia até ser, mais os fatos que sucederam(operação satiagraha, as escutas, o apoio incondicional aos latifundiários etc) deixaram claro suas intenções(ou de terceiros), como se estivesse preparando o terreno para uma possível chegada de José Serra a presidência, já que coincidiria com a sua saída da presidência do STF, se José Serra ganhar a eleição o nome Gilmar Mendes ainda será muito ouvido por nós brasileiros.

Obs.: Não sou petista, nem voto em Dilma, mais PSDB nunca mais.
 

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