Mudança de regras é casuísmo para garantir fusão BrT-Oi, dizem especialistas

Alexbezerra

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Jonas Valente – Observatório do Direito à Comunicação
16.07.2008


As informações reveladas pela Operação Satiagraha colocaram mais lenha na fogueira do processo que pode culminar na reorganização do setor de telecomunicações brasileiro com a criação de uma supertele nacional a partir da fusão entre Brasil Telecom e Oi. No entanto, para além dos questionamentos judiciais sobre a legalidade da negociação entre as duas empresas [veja aqui ], a legitimidade da operação e sua relação com a revisão do Plano Geral de Outorgas (PGO) ainda são alvos de duras críticas por parte de integrantes do setor.

Uma delas diz respeito ao procedimento de revisão de uma norma importante do arcabouço normativo da área de telecomunicações a partir de interesses específicos de grupos privados. Em outras palavras, a organização das regras relativas às concessionárias de telefonia fixa não poderia estar a serviço da criação da BrT-Oi. “O PGO estava funcionando bem. Surgiu um fato novo, a fusão, e aí o PGO é provocado para ser discutido”, pontua Israel Bayma, representante do Congresso Nacional no Conselho Consultivo da Anatel. Para o coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação da Unb, Murilo Ramos, isso caracteriza “casuísmo” na condução da revisão do PGO.

Dois fatos reforçam os questionamentos. O primeiro é o procedimento de revisão do plano. Já em janeiro deste ano, foi noticiada a negociação de valores da compra da Brasil Telecom pela Oi. Em 8 de fevereiro, a Associação Brasileira das Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix) enviou correspondência à Anatel solicitando mudanças no Plano Geral de Outorgas para que a legislação passasse a permitir que uma concessionária adquirisse outra.

Eficiência empresarial

Apenas três dias depois, em 11 de fevereiro, o presidente da Agência, Ronaldo Sardenberg, reencaminhou a solicitação ao Ministério das Comunicações sob a alegação de que a formulação da política seria papel do Poder Executivo. Em menos de 24 horas, no dia 12, o ministério respondeu à Anatel pedindo que esta conduzisse a alteração do plano, apontando as diretrizes de tal atualização: “remoção da restrição, presente na formulação original do PGO, que hoje impossibilita a integração de redes de STFC e a consolidação geográfica entre regiões”.

Na exposição de motivos do documento, o ministério argumentou que a desregulamentação é uma tendência mundial, devendo a revisão do PGO segui-la, de modo a viabilizar “a integração de redes multisserviços com ampla abrangência territorial, possibilitando melhores ofertas de serviços aos consumidores, com a incorporação das economias de escala e de escopo necessárias à manutenção da capacidade de investimento das empresas do setor”.

Em 25 de abril, a Oi anunciou a compra Brasil Telecom por R$ 5,8 bilhões. Como tal negócio era, e ainda é, ilegal segundo a redação atual do PGO, aumentou a pressão sobre o Conselho Diretor da Anatel pela definição das novas regras, evidenciando qual era a questão de fato da revisão normativa. Após dois meses de discussão, o Conselho Diretor divulgou a proposta de alteração, abrindo uma consulta pública de 30 dias, tempo considerado muito curto por uma horda de críticos [veja aqui ]. Após muita reclamação, o prazo foi estendido por mais 15 dias.

Entre o ofício da Abrafix e a definição das novas regras, serão quase seis meses, sendo 45 dias de discussão pública. “É uma política atrasada, porque ela só é construída a partir da demanda do próprio agente. Poder público não tem política, aí o mercado define e o poder concedente corre atrás", critica Israel Bayma. “É um processo que não passou por nenhuma visão estratégica, mas o poder público teve que responder à pressão brutal de um negócio”, dispara Murilo Ramos.

Limites à “ambevisação”

Um segundo elemento reforça a avaliação de “casuísmo”: a adequação da proposta da direção da Anatel à situação da BrT-Oi. Havia um receio de ocorrer na telefonia brasileira o que aconteceu no caso do setor de cerveja: permitiu-se a criação da Ambev para depois permitir sua desnacionalização através da fusão com a empresa belga Interbrew. Se é ou não uma resposta ao temor manifestado por vários atores em relação à desnacionalização, não deixa de ser curioso que a proposta permita a fusão entre concessionárias de duas áreas, mas proíba que estas se integrem a uma terceira operadora deste serviço. Na prática, o novo PGO legitimaria o negócio BrT-Oi já acertado, mas impediria a venda da nova supertele para uma terceira, como a espanhola Telefónica ou a mexicana Telmex.

No entanto, em reunião do Conselho Consultivo da Anatel no dia 3 de julho, o relator do processo no Conselho Diretor, Pedro Jaime Ziller, alegou não haver relação de uma com a outra. “Sobre o PGO, temos que separá-lo da fusão e tem que ficar claro que ele não é feito para a BrT-Oi, mas é um instrumento isonômico para todas as concessionárias”, afirmou. Mas deixou claro em várias respostas que a redação apresentada estava “em acordo com a política estabelecida pelo governo federal”.

Se, para vários conselheiros, o conjunto de episódios que estão reorganizando o setor – atualização das metas de universalização, revisão do PGO e PGR e alteração da legislação na TV paga com o PL-29 no Congresso Nacional – não respondem a uma política definida, uma lida atenta ao ofício do Ministério das Comunicações à Anatel evidencia pelo menos a indicação explícita de viabilizar a fusão. Em audiência realizada no dia 9 de julho na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, reforçou a defesa da fusão. “Ao receber um aceno dessas empresas, eu entendi que, de repente, quem sabe, esse é o caminho para se ter uma empresa nacional”, disse.

Concentração é positiva?

Empresa nacional, citando o ministro, já existem duas prestando o serviço de telefonia fixa. O que se pretende é criar uma supertele. O argumento é simples: concentrando o mercado seria possível ampliar a capacidade de oferta dos serviços, melhorando qualidade e baixando preços. “A fusão dessas duas empresas (justamente as duas mais penalizadas, porque a Telefônica está no Brasil rico, São Paulo, não no Tocantins, Amapá, interior da Bahia...) vai permitir a elas juntarem o que possuem do mercado rico – Paraná, Brasília, Rio de Janeiro, parte de Minas Gerais – e ficarem mais fortes para poder continuar prestando os serviços que precisam prestar também ao Brasil pobre”, argumenta o professor Marcos Dantas, da PUC do Rio de Janeiro.

Já para organizações de defesa do consumidor e as pequenas e médias empresas de telecomunicações, a fusão vai piorar o quadro de falta de competição no setor. “Esta possibilidade de concentração já seria preocupante se, atualmente, houvesse um nível razoável de concorrência no setor de telefonia fixa. Entretanto, é sabido que a competição entre diversas operadoras deste setor jamais se deu da forma como desejada inicialmente, com a privatização do setor, sendo raros os casos de empresas autorizatárias que conseguiram ‘fazer frente’ ao grande poder de mercado das concessionárias, o que se dá provavelmente pelo alto custo de entrada no mercado”, avaliou o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), em ofício enviado à Anatel sobre o tema.

A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (ProTeste) endossou o receio também em ofício enviado à presidência da Anatel: “Embora eficiências econômicas justifiquem, em certos mercados, altas concentrações, os consumidores não serão respeitados enquanto não tiverem ‘poder de barganha’ decorrente de um ‘poder de escolha’.”

Na avaliação do jornalista especializado Samuel Possebom, nem o governo nem a Anatel conseguiram apresentar argumentos mínimos sobre quais benefícios esta concentração traria. “Ainda aguardo uma explicação convincente de qual o interesse publico por detrás dessa empresa. Ate lá, sigo achando que é um bom negócio para os acionistas, e só”, diz o jornalista. A ausência de estudos técnicos e econômicos que respondam às dúvidas apresentadas por Possebom tem sido uma reclamação constante do Conselho Consultivo da Anatel .

Para o deputado Ivan Valente, os benefícios de uma “supertele nacional” são uma “balela”. “Não acredito isso. Se o governo quisesse isso, recriaria uma estatal para estabelecer preços de mercado, para reativar o CPqD e teria utilizado sua malha de fibra ótica”, propõe.

Murilo Ramos problematiza também o argumento de que, juntas, Brasil Telecom e Oi poderiam disputar mercados estrangeiros. “Esta tele vai buscar mercado aonde? Mercado latino-americano é arriscado. Entrar nos mercados como segundos e terceiros players dá muito trabalho. Na África? O poder aquisitivo dos africanos é menor do que os brasileiros”, questiona.
 

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