Os primos perdidos do Sol

Opteron

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Os primos perdidos do Sol

O Sol nasceu em uma família de estrelas. O que aconteceu com elas?

Ron Miller

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Se você estivesse vivo quando o Sistema Solar nasceu, o céu noturno seria brilhante o suficiente para que pudesse ler. Cerca de mil estrelas, ou um pouco mais, se formaram dentro de poucos anos-luz a partir da mesma nuvem de gás interestelar que o Sol.

Muitas pessoas costumam procurar por solidão no céu estrelado, e ele é um lugar apropriado para isso. O céu noturno é escuro porque, em termos cósmicos, nosso Sol e sua família de planetas estão muito solitários. As estrelas vizinhas estão tão distantes que parecem meros pontinhos de luz; e as ainda mais distantes formam, juntas, uma mancha de débil brilho. As nossas sondas mais rápidas levarão dezenas de milhares de anos para cruzar a distância até a estrela mais próxima. O espaço nos isola, como o oceano isola uma pequena ilha.

Ainda assim, nem todas as estrelas são tão segregadas. Cerca de uma em cada dez pertence a um aglomerado, um enxame de centenas ou até dezenas de milhares de estrelas formando uma estrutura com alguns poucos anos-luz de diâmetro. Na verdade, a maioria das estrelas nasce em grupos como esses, que geralmente acabam por se dispersar ao longo de bilhões de anos, misturando-se elegantemente com o resto da galáxia. Mas e o Sol? Teria ele, também, surgido em um aglomerado de estrelas? Se sim, nossa localização na Galáxia nem sempre foi tão desolada. Ficou assim após a dispersão do aglomerado original.

Uma crescente gama de evidências sugere que sim. Embora o conhecimento convencional tenha sustentado que o Sol é filho único, muitos astrônomos agora pensam que ele é um dos cerca de mil irmãos que nasceram mais ou menos ao mesmo tempo. Estivéssemos nós na época do alvorecer do Sistema Solar, o espaço não teria se mostrado tão vazio. O céu noturno estaria cheio de estrelas brilhantes, muitas tão brilhantes quanto a Lua cheia. Algumas seriam visíveis mesmo durante o dia. Ao olhar para cima, machucaríamos nossos olhos.

O aglomerado em que, provavelmente, o Sol nasceu há muito se foi. Juntei os dados disponíveis e especulei sobre como ele teria se parecido. A partir dessas propriedades inferidas, calculei as possíveis trajetórias dos membros originais do aglomerado pela Galáxia para descobrir onde poderiam estar hoje. Embora tenham se espalhado e se misturado com milhões de estrelas não relacionadas ao aglomerado original, elas deverão ser identificáveis com o satélite Gaia (Global Astrometric Interferometer for Astrophysics), da Agência Espacial Europeia, planejado para ser lançado em 2011. Suas órbitas e composições tipo-Sol servirão para isso. A identificação de nossos primos estelares perdidos permitirá aos astrônomos reconstruir as condições sob as quais a nuvem primordial de gás e poeira deu origem ao nosso Sistema Solar. Memórias de Nosso Nascimento
A mais forte evidência de que o Sol tem parentes próximos veio em 2003, quando Shogo Tachibana, agora na Universidade de Tóquio, e Gary R. Huss, da University of Hawaii, em Manoa, analisaram dois meteoritos primitivos que são tidos como relíquias quase imaculadas da época da formação do Sistema Solar. Eles detectaram níquel-60, o subproduto do decaimento radioativo do ferro-60, em compostos químicos nos quais, por direito, o ferro deveria ser encontrado. Parece que uma jogatina química aconteceu no meteorito: os compostos se formaram originalmente do ferro, o ferro se metamorfoseou em níquel, e o níquel foi aprisionado, para sempre um intruso.

O ferro-60 teve de ser sintetizado, injetado no Sistema Solar e incorporado nos meteoritos no período dentro de sua meia-vida radioativa que, de acordo com as novas estimativas publicadas em agosto passado, é de 2,6 milhões de anos. Isso é uma piscadela cósmica. Portanto, o ferro deve ter vindo de muito perto – e a fonte mais provável é uma explosão de supernova. Baseados nessa e em outras medidas isotópicas, Leslie Looney, da University of Illinois, e seus colaboradores, argumentaram, em 2006, que uma supernova explodiu num raio de cinco anos-luz, quando o Sol tinha apenas 1,8 milhão de anos. Essa supernova poderia estar, até mesmo, a 0,07 ano-luz (as novas estimativas de meia-vida mudarão esses números, mas não substancialmente).

Se o Sol tivesse sido tão segregado naquele tempo quanto é hoje, a localização e a data da supernova teria sido uma grande coincidência. Estava a estrela simplesmente passando por aqui quando decidiu explodir? Nenhuma outra supernova explodiu a uma distância tão próxima; se tivesse explodido, provavelmente varreria a vida da Terra. Uma explicação muito mais plausível é que o Sol recém-nascido e a estrela que explodiria em supernova eram membros próximos de um aglomerado. Com as estrelas tão próximas umas das outras, uma supernova que explodisse a uma distância relativamente pequena deixaria de ser tão improvável.

Nolan Walborn Space Telescope Science Institute NASA
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O aglomerado estelar R136, localizado em uma região conhecida como Nebulosa da Tarântula, é similar ao (mas muito mais denso que o) aglomerado em que o Sol nasceu.

O Brilho de Aglomerados Estelares
A ideia de que o Sol se originou em um aglomerado de estrelas está em conflito com a visão clássica que ainda está presente nos livros. Tradicionalmente, os astrônomos classificam os aglomerados em dois tipos: os galácticos, ou abertos, e os globulares. Os primeiros são jovens, escassamente povoados e localizados basicamente no, ou próximo ao, plano galáctico. O exemplo típico é o Praesepe (Presépio), também conhecido como colmeia, ou M44. Ele foi um dos primeiros objetos para o quais Galileu apontou seu telescópio, 400 anos atrás, em 1609. O que parecia um borrão de luz se revelou uma impressionante coleção de estrelas – 350, nascidas há 700 milhões de anos.

Em contraste, os aglomerados globulares são muito velhos, densamente povoados e localizados por toda a Galáxia, não apenas no plano. O primeiro foi descoberto em 1746 pelo astrônomo italiano Giovanni Maraldi e é conhecido atualmente como M15. Ele contém cerca de 1 milhão de estrelas com idade aproximada de 12 bilhões de anos.

O problema é que nenhuma dessas categorias se ajusta bem ao Sol. Sua idade avançada de 4,6 bilhões de anos sugere que ele deve ter nascido em um aglomerado globular, ainda que sua localização no disco galáctico aponte para um aglomerado aberto. Nas duas últimas décadas, entretanto, nos demos conta de que nem todos os aglomerados se incluem perfeitamente em uma dessas duas classes (ver “Aglomerados Globulares, mais jovens que sempre se pensou”, por Stephen E. Zepf e Keith M. Ashman, Scientific American Brasil, novembro de 2003).

O que nos fez mudar de ideia foi o aglomerado estelar R136, que está localizado em uma das pequenas galáxias-satélites da Via Láctea, a Grande Nuvem de Magalhães. Visto pela primeira vez em 1960, pensou-se que R136 era uma estrela gigante, 2 mil vezes mais massiva que o Sol e 100 milhões de vezes mais brilhante. Mas em 1985, Gerd Weigelt e Gerhard Baier, ambos então na Universidade de Erlangen-Nürnberg, na Alemanha, usaram novas técnicas de imageamento de alta resolução para mostrar que R136 era, na verdade, um aglomerado com cerca de 10 mil estrelas e com poucos milhões de anos. Ele é denso como um aglomerado globular, mas jovem como um aglomerado aberto. Com características dos dois tipos, R136 era o elo perdido entre eles. Desde então, observadores têm encontrado vários aglomerados como R136 em nossa galáxia. Outras galáxias, como a Antennae, contêm centenas, se não milhares deles.

A descoberta de que estrelas continuam a se formar em aglomerados tão densos que podem até ser confundidos com uma única estrela é assombrosa. Ela levou a considerável consternação entre os teóricos. Por um lado, nós estávamos aliviados, porque não tínhamos sido capazes de explicar R136 como uma superestrela. Por outro lado, tivemos de reconsiderar tudo o que pensávamos que sabíamos sobre aglomerados estelares. Agora, achamos que todas as estrelas, incluindo o Sol, nasceram em modestos aglomerados como R136. Um aglomerado se forma de uma única nuvem de gás interestelar e, com o tempo, evolui ou em aglomerados abertos ou em globulares, dependendo de sua massa e ambiente.

Sonhos de Nossos Pais Estelares
Os membros de um aglomerado podem vir em diverso intervalo de massas, com umas poucas estrelas muito massivas e uma multidão de estrelas de menor massa. As menos massivas, com um décimo da massa do Sol, são as mais comuns, e para cada fator de 10 em massa, a abundância de estrelas cai por um fator de, aproximadamente, 20.

Assim, para cada estrela de 15 a 25 massas solares – do tamanho daquela que explodiu em supernova nas proximidades do Sol recém-nascido – um aglomerado contém cerca de 1.500 estrelas pouco massivas. Esse número estabelece uma massa mínima para o aglomerado onde o Sol nasceu. A massa máxima é dada pelo fato de que quanto maior um aglomerado é, mais tempo leva para as estrelas massivas se moverem em direção ao centro, onde elas têm maior probabilidade de afetar suas colegas menores. Baseado em minhas simulações, o aglomerado continha menos de cerca 3.500 estrelas.

Uma estrela de 15 a 25 massas solares vive cerca de 6 milhões a 12 milhões de anos antes de explodir, de modo que ela devia ter mais ou menos essa idade quando o Sol se formou. Em outros aglomerados, como o famoso aglomerado do Trapezium (Trapézio) na Nebulosa de Órion, os astrônomos descobriram que estrelas massivas são, geralmente, as primeiras a se formar, com as estrelas do tipo do Sol aparecendo muitos milhões de anos depois.

Um aglomerado com a massa inferida é muito inconsistente para evoluir para um aglomerado globular. Em vez disso, ele se dispersa depois de 100 a 200 milhões de anos. As estrelas massivas, conforme seu centro libera gás em forma de ventos estelares (similares, mas muito mais intensos que o vento solar) e, por fim, explodem, reduzem a densidade de material no aglomerado e, portanto, diminuem o campo gravitacional. Consequentemente, o aglomerado se expande e se dispersa. Mesmo que sobreviva a essa perda de gás, as interações entre as estrelas e as forças de maré exercidas pelo resto da galáxia o levam para uma lenta dissolução.

Antes de o aglomerado se dispersar, porém, as estrelas estavam muito mais próximas umas das outras, de modo que uma poderia ter passado pelo Sistema Solar. Um encontro estelar próximo pode ter empurrado planetas, cometas e asteroides, transformando suas órbitas circulares e planares em altamente elípticas e inclinadas. Muitos cometas além da distância de 50 unidades astronômicas (UA), depois da órbita de Plutão, têm órbitas altamente modificadas. A dinâmica interna do Sistema Solar parece ser incapaz de explicar essas órbitas particulares; esses corpos estão além da influência gravitacional até mesmo de Júpiter.

A explicação mais provável é que eles foram movidos por uma estrela que passou a cerca de mil UA. Os planetas, entretanto, têm órbitas muito regulares, indicando que nenhum intruso estelar chegou a menos de 100 UA do Sol.

A partir desses fatos, estimei as dimensões do “nosso” aglomerado. Para outra estrela passar a mil UA de distância com razoável probabilidade no tempo de vida do aglomerado, ele precisaria ter menos de 10 anos-luz em diâmetro. Inversamente, para uma estrela não passar mais perto do que 100 UA, o aglomerado precisaria ter mais de três anos-luz em diâmetro. Em resumo, o aglomerado em que o Sol nasceu se parecia com o R136, mas muito menos denso, tanto que as estrelas estavam longe o suficiente para não interferir na formação planetária.

Genealogia Solar
Os teóricos podem ir além e perguntar onde, exatamente, o aglomerado de nascimento do Sol estava localizado na galáxia. O Sistema Solar gira em torno do centro galáctico em uma órbita aproximadamente circular, mais ou menos no disco. No momento, estamos localizados a cerca de 30 mil anos-luz do centro da Galáxia e cerca de 15 anos-luz acima do plano do disco, orbitando a uma velocidade de 234 km/s. A essa velocidade, o Sol já completou 27 circuitos desde sua formação. A órbita não é um loop fechado, mas algo mais complicado, determinado pelo campo gravitacional da Galáxia, o qual os astrônomos inferem a partir dos movimentos das estrelas e das nuvens de gás interestelares.

Assumindo provisoriamente que o campo da Galáxia não tenha mudado nos últimos 4,6 bilhões de anos, projetei a órbita para trás no tempo e deduzi que o Sol nasceu a 33 mil anos-luz do centro da galáxia e 200 anos-luz acima do plano do disco. O que faz dessa posição um enigma é que as regiões mais externas da Galáxia são mais pobres em elementos pesados que as mais internas. As regiões mais externas podem ter falta de material suficiente para formar planetas, isso sem falar em vida (ver “Refuges for Life in a Hostile Universe”, por Guillermo Gonzalez, Donald Brownlee e Peter D. Ward, Scientific American, outubro de 2001). Embora o lugar presumido de nascimento do Sol não seja tão pobre, ainda é mais pobre em elementos pesados do que o lugar em que o Sol está. Baseados puramente na composição de elementos pesados do Sol, os astrônomos esperariam que o Sol se formasse 9 mil anos-luz mais próximo do centro.

Talvez a supernova que plantou o ferro-60 nos meteoritos também tenha enriquecido o Sol com elementos pesados. Ou talvez meus cálculos não estejam corretos porque o campo gravitacional da galáxia mudou ou porque o trajeto seguido pelo Sol tenha divergido um pouco pela gravidade de estrelas próximas ou nuvens de gás. Nesse caso, nossa estrela se formaria mais perto do centro do que estimei e sua composição não seria tão anômala. Também os ex-membros da família do Sol devem estar orbitando o centro da Galáxia a mais de 200 km/s. Desse modo, sua velocidade relativa, determinada pela força gravitacional mútua, é de apenas uns poucos quilômetros por segundo. Assim como congestionamentos de carros numa estrada, elas se movimentam juntas, mesmo que não estejam mais gravitacionalmente ligadas. O enxame original se espalhou de forma muito gradual sobre um arco. Após 27 órbitas, esse arco deve ter aproximadamente o tamanho de meia órbita.

Meus cálculos sugerem que cerca de 50 dos irmãos e irmãs do Sol estejam num raio de 300 anos-luz de nossa posição atual, e que cerca de 400 estrelas estejam a menos de 3 mil anos-luz. Dependendo da velocidade relativa original das estrelas e da época em que começaram a se dispersar do aglomerado, ou o Sol seguiu os passos deles ou eles seguiram os nossos.

O melhor lugar para procurar por eles é o plano da Galáxia na direção em que o Sistema Solar está se movendo, ou exatamente na direção oposta. Um de meus alunos está, no momento, procurando por eles em um catálogo de estrelas compilado pelo satélite Hipparcos, da ESA, no início dos anos de 1990 (ver “The Star Mapper”, por Philip Morrison, Scientific American, fevereiro de 1998). Mas, provavelmente, o Hipparcos não era tão preciso para uma identificação positiva. Para isso, precisaremos do Gaia. Ele tem um par de telescópios que medirá a posição tridimensional e velocidade de cerca de 1 bilhão de estrelas em cinco anos, fazendo um censo completo das estrelas num raio de vários milhares de anos-luz do Sol. Nesses dados, poderemos procurar por estrelas cadentes ao longo das trajetórias, passada e futura, do Sol. A composição delas deve ser semelhante à do Sol, porque a mesma supernova que poluiu o jovem Sistema Solar faria o mesmo com as outras estrelas do aglomerado.

Mesmo a identificação de um parente do Sol proverá a tão necessária informação sobre os primevos dias do Sistema Solar, um período, de outra maneira, perdido na história. Teóricos serão capazes de computar o local de nascimento do Sol com grande certeza e determinar, por exemplo, se o campo gravitacional da Galáxia mudou substancialmente ou não. Com especial destaque, os parentes solares serão excelentes lugares para procurar planetas habitáveis. Embora pareçamos muito solitários na Galáxia, não foi sempre assim. Muitas das aparentes idiossincrasias do Sol – especialmente que ele sustenta a vida – podem fazer sentido no contexto de sua família.

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http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/os_primos_perdidos_do_sol.html
 
Excelente tópico, Opteron!!

Aliás, uma boa pista para a origem do sol vai ser o novo telescópio WISE da Nasa (ou é da esa, não me lembro agora!) que vai mapear completamente o céu e de quebra identificar possíveis objetos escuros sob a luz visível, como uma possível Anã-vermelha que orbitaria o sol a cada milhares de anos.
 
Excelente tópico, Opteron!!

Aliás, uma boa pista para a origem do sol vai ser o novo telescópio WISE da Nasa (ou é da esa, não me lembro agora!) que vai mapear completamente o céu e de quebra identificar possíveis objetos escuros sob a luz visível, como uma possível Anã-vermelha que orbitaria o sol a cada milhares de anos.

Vc diz o nosso sol?
 
Imagina agente deitar na rede e ter o céu da primeira foto como paisagem, é pra chorar todos os dias com tamanha beleza.

Ótimo tópico.
 
pois é... já li sobre teorias de nosso sol ter uma companheira anã marrom. Mas pelo visto essa teoria não é muito aceita atualmente.

Mas realmente é muito pouco provável.
Não to falando aqui de uma estrela que adentre no sistema solar e sim de uma companheira que orbite o sol numa distancia inimaginável, muito além do cinturão de kuiper, que está cerca de 7 bilhões de km do sol.

Algumas pessoas sugerem que essa estrela poderia passar pelo sistema solar de tempos em tempos, mas não existe nenhuma evidência para isso, que seria, no caso uma perturbação orbital nos planetas.

Mas enfim, acho que tamo fugindo do assunto do topico, eu citei essa improvável companheira como uma das formas de entendermos melhor como e onde o sol nasceu!
 

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