E cade a evidencia de que Deus existe?
A psique é a fonte das evidências tudo que nós percebemos passa pela consciência ,e para além dela chegando a ela ,através da inconsciência etc. Enfim, estendendo para a psique , a psique é o eixo.Cada um fala segundo suas próprias limitações momentâneas , um cego vai dizer que não existe cor, um surdo que não existe som... Veja aqui que não se trata de superioridade e sim de percepção do mundo, deixo esses complexos de inferioridade para aqueles que gostam deles...A questão aqui é no âmbito da analogia, o mundo que nós percebemos é o que nossos sentidos e consciência,etc; nos "diz" e o "objeto" psiquico possuem amostras suficientes para estas deduções, e ninguém compartilha experiências iguais apesar de haver algumas intersecções que nos levam as conclusões semelhantes mas não iguais, porque cada um tem suas conotações perceptivas, aperceptivas, em suma a mais complexa delas, as tonalidades afetivas diferentes , são os afetos na apercepção que levam-nos as complexidades sensitivas que dai se expandem.Afirmo Deus existe é uma matrix feita por ele o nosso mundo da consciência, e o inconsciente e o self é a porta para que possamos expandir nossas capacidades de colher informação do mundo ao integrá-lo com a consciência e afirmo que é imaturidade daqueles que ainda não possuem esta capacidade de integração , o fenômeno da individualidade uma consciência que não despertou a sua supra-consciência (self), ainda imatura em desenvolvimento que não consegue se comunicar e achar o seu inconsciente que é despertado através do confronto com este para posteriormente a integração para aqueles que "sobrevivem".Recomendo essa leitura...
ESPÍRITO E VIDA
[601] A conexão entre espírito e vida é um daqueles problemas cujo tratamento envolve fatores de tal complexidade, que devemos nos pôr em guarda, a fim de não nos emaranharmos na trama das palavras com que procuramos capturar os grandes enigmas. Pois, como poderemos inserir aqueles complexos quase ilimitados de fatos que chamamos de "espírito" ou "vida", na corrente do pensar, senão revestindoos
de conceitos verbais, também eles meras fichas de contar do intelecto? Esta dúvida quanto à validade do conceito verbal, por inconveniente que seja, parece-me particularmente oportuna, quando nos apressamos a falar de coisas fundamentais. Por certo, "espírito" e "vida" são palavras familiares e mesmo velhas conhecidas, peças de xadrez movidas há milhares de anos, para diante e para trás, no tabuleiro do pensamento. Mas o problema deve ter surgido já nas brumas da pré-história, quando alguém fez a descoberta desconcertante de que o sopro vital que abandona o corpo no último estertor [Röcheln, em alemão] do moribundo, significa muito mais do que apenas o ar em movimento. Por isto provavelmente não é por mero acaso que palavras onomatopaicas tais como ruah (hebraico), ruh (árabe) e roho (svahili)
signifiquem "espírito", não menos claramente do que o grego pneuma [pneuma] e o latino spiritus.
[602] Apesar de estarmos familiarizados com o conceito verbal em questão, sabemos, de fato, o que é realmente o espírito? Ou estamos certos de que, empregando esta palavra, exprimimos, todos, uma só e mesma coisa? A palavra "espírito" não é um termo ambíguo e duvidoso, e mesmo desesperadamente
ambíguo? O mesmo signo verbal — "espírito" — é usado para expressar uma idéia transcendente e inexprimível; em sentido mais comum, é sinônimo do inglês mind. Designa também agudeza intelectual, mas significa também fantasma, assombração. Pode igualmente expressar um complexo que produz os fenômenos espíritas, como o das mesas girantes, os estalidos, etc. Em sentido metafórico, denota a atitude
dominante no seio de um grupo social particular — "o espírito que aí prevalece". Finalmente, é usado para designar uma qualidade material, por ex.: "espírito" de vinho, bebidas "espirituosas" em geral. Não se trata de uma brincadeira de mau gosto — é parte da herança venerável de nossa língua, embora não
deixe de ser também um peso que paralisa o pensamento, um trágico obstáculo para todos aqueles que esperam subir às alturas etéreas das idéias puras, usando as escadas das palavras. Com efeito, quando pronuncio a palavra "espírito", por mais cuidado que eu tenha em definir o sentido que pretendo comunicar no momento em que falo, não consigo de todo impedir que permaneça a aura de imprecisão e
de ambigüidade que a envolve.
[603] Por isto devemos colocar-nos a nós próprios a questão fundamental: Que significa propriamente a palavra "espírito", quando usada em conexão com o conceito de vida? Em circunstância nenhuma se deve supor tacitamente que, no fundo, todo mundo sabe precisamente o que significam os
termos "espírito" e "vida".[604] Não sou filósofo, mas empirista e, por isto, em todas as questões difíceis, inclino-me mais a deixar que a experiência decida. Mas onde não é possível encontrar uma base empírica tangível, prefiro deixar a questão sem resposta. Por isto, o meu objetivo constante é reduzir os fatores abstratos a seu
conteúdo empírico, para ter alguma certeza de conhecer também aquilo de que estou falando. Devo confessar que ignoro o que seja simplesmente o espírito, da mesma forma como não sei o que seja a vida em si. Conheço a "vida" somente sob a forma de um corpo vivo; mas o que ele seja em si e por si, em seu estado abstrato, nem sequer obscuramente o consigo imaginar. Assim, em vez de vida, devo falar
primeiramente do corpo vivo, e, em vez de espírito, devo falar de fatores psíquicos. Isto não quer dizer que eu me desvie da questão inicialmente colocada, para me entregar a uma reflexão sobre o corpo e a alma. Pelo contrário, espero que a abordagem empírica ajude-nos a encontrar uma base real para o espírito — e isto sem sacrifício para a vida.
[605] O conceito de corpo vivo nos oferece muito menos dificuldades para nosso trabalho de elucidação do que o conceito geral de vida, porque o corpo é uma realidade visível e palpável, que corresponde mais à nossa capacidade de expressão. Por isto podemos facilmente admitir que o corpo é
um sistema fechado em si, constituído de unidades materiais e adaptado às finalidades da vida e, como tal, é um fenômeno da entidade vital captada pelos nossos sentidos. Ou, dito em termos mais simples, é um arranjo adequado da matéria que torna possível a existência de um ser vivo. Com o fim de evitar qualquer confusão, eu gostaria de chamar a atenção para o fato de que na minha definição de corpo incluí uma componente que denomino vagamente de "entidade vital". Mas esta separação, que não pretendo defender ou criticar, quer apenas indicar que o corpo não deve ser entendido como um amontoado de matéria inerte, mas como um sistema material realmente pronto para a vida e que torna a vida possível, com a condição, porém, de que, mesmo estando pronto para a vida, este sistema não poderá viver sem a presença de um princípio vital. Pois, excluído o significado possível deste princípio vital, faltaria automaticamente ao corpo como tal algo que é estritamente necessário à sua vida, a saber: o fator psíquico. Conhecemos isto, diretamente, a partir de nossa experiência com nós mesmos, através da
observação científica em animais vertebrados superiores e nos animais inferiores e mesmo nas plantas,pois nenhum argumento prova o contrário.
[606] Podemos admitir que a "entidade vital" de que falamos acima é idêntica ao fator psíquico, por assim dizer diretamente percebida por nós na consciência humana, e, deste modo, restabelecer a antiqüíssima e conhecida dualidade existente entre alma e corpo? Ou existem razões que nos permitam separar a "entidade vital" da alma? Isto nos daria a possibilidade de considerar a alma também como um sistema apropriado, como um arranjo não apenas de matéria pronta para a vida, mas de matéria viva, ou, mais precisamente, como um processo vital. Não tenho a mínima certeza de que esta hipótese alcançará aprovação geral, pois estamos de tal modo habituados a conceber o corpo e a alma como um composto vital, que dificilmente nos inclinamos a ver na alma apenas um aglomerado de processos vitais que se passam no corpo.
[607] Até onde minha experiência me permite extrair conclusões gerais a respeito da natureza da alma, ela nos mostra que o processo psíquico é um fenômeno dependente do sistema nervoso. Sabemos, com razoável margem de certeza, que a destruição de certas partes do cérebro ocasiona deficiências psíquicas correspondentes. A medula espinhal e o cérebro consistem, essencialmente, através de conexões entre as vias sensoriais e motoras, o chamado arco reflexo ou arco diastáltico. Mostrarei o que isto significa, através de um exemplo simples muito elucidativo. Suponhamos que alguém toque com o dedo em um objeto aquecido: imediatamente, o calor excitará as extremidades dos nervos tácteis. O estímulo
altera o estado de toda a via de transmissão nervosa até a medula espinhal e daí ao cérebro. Mas já na medula espinhal, as células ganglionares que captam o estímulo táctil transmitem a mudança de estado às células ganglionares motoras vizinhas, as quais, por sua vez, enviam estímulos aos músculos do braço e provocam uma contração súbita da musculatura e a retração da mão. Tudo isto acontece com tanta
rapidez, que a percepção consciente da dor muitas vezes só ocorre quando a mão já está retraída. A reação é automática e só posteriomente é percebida de maneira consciente. Mas o que acontece na medula espinhal é transmitido ao eu que percebe, em forma de imagem ou cópia que podemos expressar através
de um conceito e de um nome. Com base em tal arco reflexo, ou seja, em um estímulo que se dá a partir de fora, podemos formar uma idéia dos processos que estão na raiz da psique.
[608] Tomemos agora um exemplo menos simples: Suponhamos que ouvimos um som indistinto cujo efeito inicial se reduz a um estímulo para escutarmos mais atentamente, para descobrirmos o que ele significa. Neste caso, o estímulo acústico desencadeia no cérebro toda uma gama de representações, de imagens, que se associam ao estímulo acústico. Parte delas se converte em imagens acústicas, parte em imagens visuais e parte em imagens sensoriais. Emprego a palavra imagem, aqui, simplesmente no sentido de representação. Uma entidade psíquica só pode ser um conteúdo consciente, isto é, só pode ser representada quando é representável, ou seja, precisamente quando possui a qualidade de imagem. Por isto chamo de imagens a todos os conteúdos conscientes porque são reflexos de processos que ocorrem no cérebro.
[609] À série de imagens suscitada pelo estímulo auditivo subitamente se acrescenta uma imagem acústica, surgida da memória e acompanhada de uma imagem visual, a saber, o chocalhar de uma cobra cascavel. Isto vem seguido imediatamente de um alarme enviado a todos os músculos do corpo. O arco reflexo está completo, mas, neste caso, difere do anterior, pelo fato de um processo cerebral, isto é, uma
série de imagens psíquicas, haver-se interposto entre o estímulo sensorial e o impulso motor. A tensão súbita do organismo reage sobre o coração e os vasos sangüíneos, provocando uma sucessão de processos que se refletem psiquicamente em forma de terror.
[610] É deste modo que podemos formar uma idéia da natureza da psique. Ela é constituída de imagens reflexas de processos cerebrais simples, e das reproduções destas imagens em uma sucessão quase infinita. Estas imagens reflexas têm o caráter de consciência. A natureza da consciência é um enigma cuja solução eu desconheço. Do ponto de vista puramente formal, contudo, podemos dizer que
um fator psíquico assume a qualidade de consciência quando entra em relação com o eu. Se não há esta relação, o fator permanece inconsciente. O esquecimento nos mostra muito bem quantas vezes e com que facilidade os conteúdos perdem sua ligação com o eu. Por isto, poderíamos comparar a consciência ao jato de luz emitido por um refletor. Só os objetos situados sob o cone de luz é que entram no campo de
minha percepção. Um objeto que se acha casualmente na escuridão, não deixou de existir; apenas não é visto. Assim, o fator psíquico de que eu não tenho consciência existe em alguma parte, num estado que, com toda probabilidade, não difere essencialmente daquele em que é visto pelo eu.
[611] A consciência, portanto, pode ser muito bem entendida como um estado de associação com o eu. Mas o ponto crítico é o eu. Que entendemos por eu? Apesar da aparente unidade do eu, trata-se evidentemente de um fator altamente compósito e variado, constituído de imagens provindas das funções sensoriais que transmitem os estímulos tanto de dentro como de fora; consiste igualmente em um imenso aglomerado de imagens resultantes de processos anteriores. Todas estas componentes sumamente variadas necessitam de um fator dotado de forte poder de coesão, qualidade esta que já identificamos na
consciência. Por isto, parece-me que a consciência é o requisito essencial para o eu. Mas sem o eu, é impossível pensar em consciência. Esta aparente contradição se resolve, se considerarmos o eu como o reflexo, não de um só, mas de muitos e variados processos e suas interações, ou seja, daqueles processos e
conteúdos que compõem a consciência do eu. A sua diversidade forma realmente uma unidade porque a sua relação com a consciência atua como uma espécie de força gravitacional, atraindo as várias partes na direção daquilo que poderíamos chamar de centro virtual. Por esta razão não falo simplesmente do eu,
mas de um complexo do eu __ definição da psicologia-Complexo: Conjunto de representações ou idéias estruturadas e caracterizadas por forte impregnação emocional , total ou parcialmente reprimidas , e que determinam as atitudes de um indivíduo , seu comportamento , seus sonhos, sua apercepção do mundo, etc__ , na suposição fundamentada de que o eu tem uma composição flutuante e por isto é mutável e conseqüentemente não pode ser simplesmente o eu. Infelizmente não posso discutir aqui as mudanças clássicas do eu que encontramos nos doentes mentais ou nos sonhos.
[612] Esta concepção do eu como um composto de elementos psíquicos nos leva logicamente à questão: É o eu a imagem central, o representante exclusivo do ser humano global? Todos os conteúdos e funções estão relacionados com ele e expressos através dele?
[613] Devemos responder negativamente a esta pergunta. A consciência do eu é um complexo que não abrange o ser humano em sua globalidade: ela esqueceu infinitamente mais do que sabe. Ouviu e viu uma infinidade de coisas das quais nunca tomou consciência. Há pensamentos que se desenvolvem à margem da consciência, plenamente configurados e completos, e a consciência os ignora totalmente. O eu
sequer tem uma pálida idéia da função reguladora e incrivelmente importante dos processos orgânicos internos a serviço da qual está o sistema nervoso simpático. O que o eu compreende talvez seja a menor parte daquilo que uma consciência completa deveria compreender.
[614] O eu, portanto, só pode ser um complexo parcelar. Talvez seja ele aquele complexo singular e único cuja coesão interior significa a consciência. Mas qualquer coesão das partes psíquicas não é em si mesma a consciência? Não se vê claramente a razão pela qual a coesão de uma certa parte das funções sensoriais e de uma certa parte do material de nossa memória deve formar a consciência, enquanto a coesão de outras partes da psique não a forma. O complexo da função da vista, da audição, etc, apresenta uma forte e bem organizada unidade interior. Não há razão para supor que esta unidade não possa ser também uma consciência. Como bem nos mostra o caso da surda-muda e cega Helen Keller, bastam o sentido do tato e a sensação corporal para tornar possível a consciência e fazê-la funcionar, embora se
trate de uma consciência limitada a estes dois sentidos. Por isto eu acho que a consciência do eu é uma síntese de várias "consciências sensoriais", na qual a autonomia de cada consciência individual fundiu-se na unidade do eu dominante.
[615] Como a consciência do eu não abrange todas as atividades e fenômenos psíquicos, isto é, não conserva todas as imagens nela registradas, e como a vontade, apesar de todo o seu esforço, não consegue penetrar em certas regiões fechadas da psique, surge-nos naturalmente a questão se não existiria uma coesão de todas as atividades psíquicas semelhante à consciência do eu, uma espécie de consciência superior e mais ampla na qual o nosso eu seria um conteúdo objetivo, como, por exemplo, o ato de ver, em minha consciência, fundido, como esta, com as outras atividades inconscientes em uma unidade superior. A consciência de nosso eu poderia certamente estar encerrada numa consciência completa, como um círculo menor encerrado em um maior.quando relacionada com o eu, produz uma consciência da atividade em questão, assim também o eu, como já disse anteriormente, pode ser entendido como a imagem ou reflexo de todas as atividades por ele compreendidas. Seria de esperar que todas as atividades psíquicas produzissem uma imagem reflexa de si próprias, e que nisto consistisse sua natureza essencial; do contrário, não poderiam ser chamadas "psíquicas". Por isto, é difícil entender por que as atividades psíquicas inconscientes não devem ter a capacidade característica de produzir imagens de si mesmas, como as atividades conscientes. E como nos parece que o homem constitui uma unidade vital autônoma e completa em si mesma, a conclusão lógica e imediata seria que as imagens produzidas por todas as atividades psíquicas se acham englobadas em uma
imagem total do homem todo que as contemplaria e as sentiria cientemente como um único eu.
[617] Eu não teria condições de apresentar qualquer argumento essencial contra esta hipótese; mas ela me parece uma fantasia ociosa, na medida em que não se vê a necessidade de semelhante hipótese explicativa. E mesmo tendo de admitir a possibilidade de uma consciência superior, para explicar a ocorrência de certos fatos psíquicos, isto não passaria de uma hipótese, porque provar a existência de uma
consciência superior, diferente daquela que conhecemos, estaria infinitamente acima da capacidade da nossa razão. Haveria sempre a possibilidade de que as coisas que jazem nas trevas situadas para além das fronteiras da consciência sejam em tudo e por tudo diferentes daquelas que o mais ousado engenho especulativo pudesse imaginar.
[618] No decorrer de minha exposição, terei oportunidade de voltar a esta questão. Por enquanto, deixá-la-emos de lado e nos dedicaremos à questão original da psique e do corpo. Do que acabamos de dizer creio deve ter ficado claro que a psique é constituída essencialmente de imagens. A psique é feita de uma série de imagens, no sentido mais amplo do termo, não é, porém, uma justaposição ou uma sucessão,
mas uma estrutura riquíssima de sentido e uma objetivação das atividades vitais, expressa através de imagens. E da mesma forma que a matéria corporal, que está pronta para a vida, precisa da psique para se tornar capaz de viver, assim também a psique pressupõe o corpo para que suas imagens possam viver. [619] A alma e o corpo são presumivelmente um par de opostos e, como tais, são a expressão de
uma só entidade cuja natureza não se pode conhecer nem a partir das manifestações materiais exteriores nem através das percepções interiores e diretas. Como sabemos, segundo uma antiga crença, o homem surge do concurso de uma alma com um corpo. Mais correto seria falar de um ser vivo desconhecido
sobre cuja natureza íntima o máximo que podemos dizer é que ela expressa vagamente a quintessência da vida. Externamente, este ser é um corpo material, mas, considerado do interior, parece constituído de uma série de imagens das atividades vitais que têm lugar no organismo. Os dois constituem uma só realidade,
e acomete-nos a dúvida se, no final de contas, toda esta separação entre alma e corpo nada mais seja do que mero expediente da razão para que percebamos os dois lados da mesma realidade, uma separação — conceitualmente necessária — de um só e mesmo fato em dois aspectos aos quais atribuímos indevidamente até mesmo uma existência autônoma.
[620] A Ciência até hoje não foi capaz de apreender o enigma da vida, nem através da matéria orgânica, nem através das misteriosas séries de imagens que brotam da psique. Conseqüentemente ainda estamos à procura daquele princípio vital cuja existência devemos postular para além dos limites da experiência. Quem conhece os abismos da fisiologia fica aturdido, diante das suas manifestações, da mesma maneira como aquele que tem noções sobre a psique humana, terá uma sensação de desespero, só de pensar que este estranho ser especular jamais atingirá qualquer "conhecimento" por mais aproximado que seja.
[621] Deste ponto de vista, alguém poderia facilmente abandonar qualquer esperança de dizer algo de preciso a respeito da natureza desta coisa vaga e fluida chamada espírito. Só uma coisa me parece clara: da mesma forma como o "princípio vital" é a quintessência da vida do corpo, assim também o "espírito" é a quintessência da natureza da alma; na realidade, o conceito de "espírito" é empregado promiscuamente com o conceito de "alma". Como tal, o "espírito" situa-se na mesma esfera transliminar da "entidade vital", isto é, no mesmo estado de indistinguibilidade. E a dúvida de que a alma e o corpo, em última análise, sejam uma só e mesma coisa, aplica-se também à aparente oposição entre espírito e "entidade vital". Também estes dois constituem uma só e mesma coisa.
[622] Mas estes conceitos de quintessência são absolutamente necessários? Não podemos contentar-nos com o contraste entre alma e corpo, já de per si bastante misterioso? Do ponto de vista das Ciências naturais deveríamos simplesmente parar por aqui. Mas existe um ponto de vista que satisfaz às exigências da ética epistemológica e não somente nos permite, mas nos obriga mesmo a ir adiante e saltar por cima deste limite aparentemente intransponível. Este ponto de vista é o psicológico.
[623] Até aqui tenho baseado minhas reflexões sobre o ponto de vista realista do pensamento científico, sem questionar o fundamento sobre o qual me sustento. Mas, para explicar rapidamente o que entendo por ponto de vista psicológico, devo mostrar que é possível duvidar seriamente da legitimidade exclusiva do ponto de vista realista. Tomemos como exemplo o que uma mente ingênua consideraria
como a mais real de todas as coisas, a saber, a matéria. Ora, a respeito da natureza da matéria temos apenas suposições teóricas obscuras, que, por sua vez, nada mais são do que imagens produzidas pela alma. É minha percepção que traduz os movimentos ondulares ou as emanações solares em luz. É minha
alma, com sua riqueza de imagens, que confere cor e som ao mundo; e aquela certeza racional sumamente real que chamamos experiência é um aglomerado complicadíssimo de imagens psíquicas, mesmo em sua forma mais simples. Assim, em certo sentido, da experiência imediata só nos resta a psique mesma. Tudo
nos é transmitido através da psique: traduzido, filtrado, alegorizado, desfigurado e mesmo falsificado. Achamo-nos de tal modo envolvidos em uma nuvem de imagens mutáveis e infinitamente cambiantes, que poderíamos exclamar com um conhecido e grande cético: "Nada é absolutamente verdadeiro — e até mesmo isto também não é totalmente verdadeiro". Tão espessa e enganadora é a névoa que nos cerca, que
foi preciso inventar uma ciência exata, para que pudéssemos ter pelo menos um vislumbre da chamada "natureza real" das coisas. Mas este mundo quase supervívido nada tem de nebuloso para uma mente simples. Mas se a mergulharmos na alma do primitivo e fizermos com que ela contemple com a consciência do civilizado a imagem que o primitivo tem do mundo, ela terá uma percepção do grande crepúsculo em que ainda estamos vivendo.[624] Tudo o que sabemos a respeito do mundo e tudo aquilo de que temos uma consciência imediata são os conteúdos conscientes que fluem de fontes remotas e obscuras. Não tenho a pretensão de contestar nem a validez relativa do ponto de vista, a do esse in re [do ser real], nem a do ponto de vista
idealista, a do esse in intellectu solo [do ser apenas no intelecto]; gostaria apenas de unir estes opostos extremos através do esse in anima [do ser na alma] que é justamente o ponto de vista psicológico. Vivemos imediatamente apenas no mundo das imagens.
[625] Se levarmos a sério este ponto de vista, as conseqüências daí resultantes serão peculiares, pois verificaremos que não podemos submeter a validez dos fatos psíquicos nem ao exame da crítica epistemológica nem à verificação científica direta. A única questão que se põe aqui é se existe ou não um conteúdo consciente. Se existe, então é válido em si mesmo. Só podemos invocar a Ciência, se o conteúdo pretender ser a única asserção válida a respeito de algo que encontramos no mundo exterior; e só podemos apelar para a crítica epistemológica, quando uma coisa que não se pode conhecer é apresentada ou postulada como cognoscível. Tomemos um exemplo conhecido de todos: a Ciência nunca descobriu um Deus, e a crítica epistemológica prova que é impossível o conhecimento de Deus; mas eis que surge a alma com a afirmação da experiência de Deus. Deus é um dado psíquico da experiência imediata. Se assim não fosse, nunca se poderia falar de Deus. O fato é válido em si mesmo — não exigindo qualquer demonstração não-psicológica — e inacessível a toda forma de crítica não-psicológica. Pode ser, inclusive, a mais imediata e, por conseguinte, a mais real de todas as experiências, que não pode ser ridicularizada nem invalidada por argumentos. Só as pessoas com um sentido do tato fracamente desenvolvido ou obstinadamente supersticiosas é que se fecham totalmente a esta verdade. Enquanto a experiência de Deus não exigir uma validez universal ou não afirmar a existência absoluta de Deus, será impossível qualquer crítica, pois não se pode criticar um fato irracional como, por exemplo, a existência do elefante. Contudo, a experiência de Deus goza de validez mais ou menos universal, de modo que quase
todos sabem aproximadamente o que significa a expressão "experiência de Deus". Tratando-se de um fato que ocorre com relativa freqüência, esta experiência deve ser reconhecida por uma psicologia científica. Não podemos simplesmente passar por cima daquilo que é tratado desdenhosamente como superstição.
Quando uma pessoa afirma que viu espíritos ou que está enfeitiçada — e para ela isto significa muito mais do que meras palavras — vemo-nos diante de um fato da experiência, e um fato tão comum, que todos sabem o que significam as palavras "espírito" e "feitiço". Por isto podemos estar certos de que em tais casos se trata realmente de um complexo de fatos psíquicos que, como tal, é tão "real" quanto a luz
que vemos. Não sei como poderei provar a existência do espírito de uma pessoa falecida, na realidade empírica exterior, nem posso imaginar um processo lógico graças ao qual pudesse deduzir, com certeza, uma continuação da vida depois da morte, mas, não obstante, tenho de contar com o fato de que, em todas as épocas e em todos os lugares, a alma sempre afirmou ter experimentado a presença de espíritos, assim como tenho de levar em consideração que muita gente nega redondamente esta experiência subjetiva.
[626] Depois desta, explicação de caráter mais genérico, eu gostaria de voltar ao conceito de espírito que não fomos capazes de apreender a partir de nosso antigo ponto de vista. "Espírito" (como Deus) designa um objeto da experiência psíquica cuja existência jamais poderá ser provada no mundo exterior nem ser conhecida por via racional, supondo-se aqui que estejamos usando a palavra "espírito" em seu melhor sentido. Se nos libertarmos do preconceito de que devemos reduzir todo conceito, seja a objetos da experiência externa, seja a categorias apriorísticas da razão, poderemos voltar nossa atenção e nossa curiosidade para aquele ser estranho e ainda desconhecido que chamamos espírito. É sempre útil, em tais casos, lançar um olhar sobre a provável etimologia da palavra, porque acontece muitas vezes que é justamente a história de uma palavra que lança uma luz surpreendente sobre a natureza do objeto psíquico que lhe está na origem.
[627] O termo Geist no antigo alto-alemão e gâst no anglo-saxão significam um ser supraterreno, em oposição ao corpo. Segundo Kluge, o significado fundamental desta palavra não é de todo certo, embora pareça ter certa relação com o antigo norueguês geisa, estar com raiva; com o gótico us-gaisyan, ficar fora de si; com o suíço-alemânico, ûf-gaista, enfurecer-se, e com o inglês aghast, agastado, irado.
Dizer que um indivíduo "teve um acesso de raiva" significa que algo caiu sobre ele o o subjugou; que o demônio está montado nele; que está possesso e que alguma coisa penetrou no seu íntimo, etc. No estágio pré-psíquico, e mesmo ainda hoje, na linguagem poética, que deve a sua força a seu primitivismo vital, as emoções e os afetos são personificados freqüentemente sob a forma de demônio. "Estar apaixonado por alguém" significa que foi ferido pelas setas de Cupido. Érica atirou o pomo da discórdia entre os homens, etc. Quando ficamos "fora de nós, de tanta raiva", evidentemente já não somos idênticos a nós mesmos, mas estamos possuídos por um demônio, por um espírito.
[628] A atmosfera primitiva em que surgiu pela primeira vez a palavra "espírito" ainda sobrevive em nós, embora a um nível psíquico situado um tanto abaixo da consciência. Mas, como nos mostra o espiritismo moderno, é preciso muito pouco para trazer à tona aquela parcela de mentalidade primitiva. Se a derivação etimológica (em si mesma assaz provável) corresponde à verdade, então "espírito" neste sentido é a imagem reflexa de um afeto personificado. Quando alguém, por exemplo, se deixa arrebatar por afirmações imprudentes, dizemos que sua língua lhe escapa, o que equivale a afirmar que suas
palavras se convertem em um ser independente que o arrasta para lá e para cá, como que fugindo com ele. Psicologicamente diríamos que todo afeto tende a se tornar um complexo autônomo (e veja que o eu como a psicologia auxilia-nos: é um complexo psíquico solidamente constituído), tende a desligar-se da hierarquia da consciência e, se possível, a arrastar o eu atrás de si. Não é de admirar, portanto, que a
mente primitiva veja aí a atividade de um ser estranho e invisível, um espírito. Neste caso, o espírito é o reflexo do afeto autônomo e esta é a razão pela qual os antigos, muito apropriadamente, chamam os espíritos de imagines, imagens.
[629] Voltemo-nos agora para outros sentidos em que se utiliza o termo "espírito". A frase: "Ele age no espírito de seu falecido pai", ainda tem duplo sentido, porque a palavra "espírito", neste caso, tanto se refere ao espírito de um morto quanto a uma atitude interior. Outras maneiras de dizer são: "criou-se um novo espírito", "agora sopra um espírito novo", significando com isto uma renovação de mentalidade. A idéia fundamental é, de novo, a de que um espírito se apossa das pessoas e das coisas, como se se tornasse, por ex., o spiritus rector [o espírito guia] de uma casa. Também pode acontecer que alguém diga, com uma nota de preocupação: "Um espírito mau reina naquela família". [630] Aqui já não estamos mais diante de personificações de afetos, mas de visualizações de todo um modo de pensar e de sentir — ou expresso em linguagem psicológica — de uma atitude. Uma atitude
má, expressa como um "espírito mau", tem, segundo uma concepção ingênua, quase a mesma função de um afeto personificado. Isto pode parecer surpreendente para muitas pessoas, porque ordinariamente por "atitude" se entende em "posicionar-se diante de uma determinada coisa", ou seja, pois, uma atividade do eu que implica uma intencionalidade. Entretanto, a atitude ou disposição interior nem sempre é o produto de uma volição, mas deve seu caráter peculiar, talvez com muito mais freqüência, ao contágio, ao exemplo e à influência do meio ambiente. Como se sabe, existem pessoas cuja atitude má envenena a atmosfera; seu mau exemplo é contagioso: elas deixam nervosas outras pessoas, por seu caráter intolerável. Na escola basta um só aluno de mau caráter para corromper o espírito da classe inteira; e, inversamente, a disposição alegre e inocente de uma criança pode iluminar e transformar a atmosfera que, de outra forma, seria sombria, o que naturalmente só é possível quando a atitude de cada um, individualmente, é melhorada pelo bom exemplo. Uma atitude, portanto, pode impor-se mesmo contra a vontade consciente: "um espírito perverso corrompe os bons costumes". É na sugestão das massas onde isto mais se evidencia.
[631] A atitude ou disposição, portanto, pode impor-se à consciência, a partir de fora ou de dentro, como um afeto, e, por conseguinte, pode ser expressa em figuras de linguagem. À primeira vista, a atitude parece muito mais complicada do que um afeto. Mas um exame aprofundado nos mostra que não é assim, pois a maioria das atitudes, por assim dizer, se baseia consciente ou inconscientemente em sentenças que têm freqüentemente o caráter de um provérbio. Em certas atitudes identificamos imediatamente a sentença subjacente, e chegamos mesmo a descobrir a sua fonte. Muitas vezes, a atitude se caracteriza apenas por uma única palavra, que geralmente expressa um ideal. Acontece não poucas vezes que a quintessência de uma atitude não é uma sentença nem um ideal, mas uma personalidade que se reverencia e se imita.
[632] A educação se utiliza dos fatos psicológicos e procura sugerir as atitudes adequadas mediante sentenças e ideais, muitos dos quais, na realidade, continuam a exercer sua influência ao longo de toda a vida, como princípio ou idéias-mestras duradouras. Elas se apoderam do homem, como os espíritos. A um nível mais primitivo, é inclusive a visão do mestre de doutrina, do poimen ou oimandres, que personifica o princípio orientador e o concretiza em uma figura simbólica. [633] Aqui nos aproximamos do conceito de "espírito", que ultrapassa de longe o sentido animístico do termo. Os aforismos ou os provérbios, via de regra, são o resultado de muitas experiências e esforços individuais, a suma de percepções e de conclusões, condensada em poucas palavras expressivas. Se submetermos a palavra bíblica: "Possuí como se não possuísseis" a uma análise rigorosa, procurando reconstituir todas aquelas experiências e reações de que resultou a quintessência da sabedoria de vida contida neste aforismo, não podemos deixar de admirar a plenitude e a maturidade da experiência de vida que está por detrás dela. É uma palavra "impressionante" que toca o sentido receptivo com grande força, e talvez dele se apodere duradouramente. Aqueles aforismos ou idéias que a mais rica experiência de vida e a mais profunda reflexão encerram, constituem aquilo que chamamos "espírito" no melhor sentido do termo. Se uma idéia-mestra deste gênero consegue uma dominação absoluta, nós dizemos que a vida vivida sob sua guia é uma vida regida pelo espírito ou vida espiritual. E quanto mais absoluta e mais compulsiva é a influência da idéia-mestra, tanto mais ela possui a natureza de um complexo autônomo que se contrapõe à consciência do eu como um fato irresistível.
[634] Não devemos perder de vista que tais máximas ou idéias-mestras — não excetuando sequer as melhores dentre elas — não são palavras mágicas cujo poder é absoluto; só adquirem domínio sob certas condições, isto é, quando há dentro de nós algo que lhes corresponde, ou seja, algum afeto que esteja pronto a se apoderar da forma apresentada. Somente através da reação dos sentimentos é que a idéia, ou o que possa ser o princípio orientador, se torna um complexo dominante. Sem esta reação, a idéia continuaria um conceito submetido ao arbítrio da consciência, uma simples peça de calcular intelectual, sem poder de determinação. A idéia que for um mero conceito intelectual não pode ter influência na vida, porque neste estado ela não passa de uma palavra vazia de sentido; e inversamente, quando a idéia adquire a importância de um complexo autônomo, ela passa a atuar sobre a vida do indivíduo através de suas emoções e sentimentos. [635] Não devemos pensar que estas atitudes resultem de atos conscientes de nossa vontade e de uma escolha consciente. Quando dissemos, acima, que para isto é necessária também a ajuda das emoções e dos sentimentos, poderíamos também ter dito que, para além da vontade consciente, deve haver uma disposição inconsciente de produzir uma atitude autônoma. Não se pode propriamente querer ser espiritual, porque todos os princípios que podemos escolher ou que desejamos alcançar permanecem sempre dentro dos limites de nossas emoções e sentimentos e são submetidos ao controle de nossa consciência; por isto nunca podem converter-se naquilo que escapa ao domínio da vontade consciente.Trata-se, antes, da questão decisiva e crucial: que princípio deve reger nossa conduta.
[636] Certamente uma pergunta que se fará a este respeito é a se não haveria indivíduos para os quais o próprio livre-arbítrio constituiria o supremo princípio do agir, de modo que todas as suas atitudes seriam intencionalmente escolhidas por eles próprios. Não acredito que alguém haja atingido ou venha atingir esta semelhança com Deus, mas sei que há muitos que almejam este ideal, porque estão dominados pela idéia heróica da liberdade absoluta. De um modo ou de outro, todos os homens são dependentes; todos são determináveis de alguma forma, pois não são deuses.
[637] Acontece que nossa consciência não exprime a totalidade da natureza humana; é e permanece apenas uma parcela da mesma. Como se há de lembrar, em minhas considerações iniciais, mencionei a possibilidade de que a consciência de nosso eu não é necessariamente a única forma de consciência de nosso sistema, mas talvez esteja subordinada inconscientemente a uma consciência mais ampla, da mesma forma como os complexos mais simples estão subordinados ao complexo do eu.
[638] Não sei como poderíamos provar que existe em nós uma consciência superior ou mais ampla do que a consciência do eu; mas, se existe tal consciência, ela deve perturbar sensivelmente a consciência do eu. Ilustrarei com um exemplo singelo o que pretendo dizer. Suponhamos que nosso sistema ótico tenha sua própria consciência e seja, por conseguinte, uma espécie de personalidade que eu
chamarei de "personalidade visual". Suponhamos, ainda, que esta personalidade visual descobriu uma bela vista e que mergulhou em sua contemplação. De repente o sistema auditivo ouve a buzina de um automóvel. Esta percepção permanece inconsciente para o sistema ótico. O eu emite — também de modo inconsciente para o sistema ótico — uma ordem aos músculos, para que eles desloquem o corpo para uma outra posição no espaço. Este movimento subtrai subitamente o objeto do alcance da consciência visual.
Se os olhos pudessem pensar, chegariam à conclusão de que o mundo iluminado acha-se exposto a toda espécie de distúrbios obscuros.[639] Algo de semelhante aconteceria à nossa consciência, se houvesse uma consciência mais ampla, uma consciência que, como já indiquei acima, seria uma imagem do homem todo. Existem,
realmente, distúrbios obscuros desta natureza, que nenhuma vontade pode controlar e nenhum propósito pode remover? E existe em algum recanto dentro de nós algo de intocável que pudesse ser eventualmente
a fonte de tais distúrbios? À primeira questão podemos responder, sem mais, pela afirmativa. Nas pessoas normais — para não falar dos neuróticos — podemos observar facilmente as interferências e os distúrbios mais evidentes, originários de uma outra esfera: o humor de uma pessoa pode mudar subitamente; uma
dor de cabeça assalta-nos inopinadamente; o nome de um conhecido que queríamos apresentar foge-nos da mente; uma melodia persegue-nos um dia inteiro; gostaríamos de fazer alguma coisa, mas a energia necessária para isto desapareceu de modo inexplicável; esquecemos aquilo que de maneira nenhuma
desejaríamos esquecer; gostaríamos de pegar logo no sono, mas o sono nos foge, ou, se adormecemos, nosso sono é perturbado por sonhos fantásticos e angustiantes; procuramos pelos óculos que estão em nosso nariz, como se os tivéssemos perdido em algum lugar; esquecemos o novo guarda-chuva mas não
sabemos onde. Poderíamos multiplicar infinitamente a lista de casos. Quando estudamos a psicologia dos neuróticos, defrontamo-nos com distúrbios os mais paradoxais possíveis. Vemos surgir sintomas patológicos estranhíssimos, mas não encontramos nenhum órgão doente. A temperatura do corpo se eleva
a mais de quarenta graus, sem que se detecte a menor perturbação no organismo; estados sufocantes de angústia se manifestam, sem nenhuma causa real; açodem idéias obsessivas, de cujo caráter absurdo até o próprio paciente se dá conta; erupções cutâneas aparecem e desaparecem, independentemente de qualquer
motivo real ou de qualquer terapia. Aqui também a lista seria interminável. Para cada caso encontra-se naturalmente uma explicação boa ou má, a qual, todavia, não serve absolutamente para o caso seguinte. Mas não pode haver nenhuma dúvida ou incerteza quanto à existência dos distúrbios.
[640] Quanto à segunda questão, concernente à origem destes distúrbios, é preciso observar que a Psicologia médica formulou o conceito de inconsciente e provou que estes distúrbios estão ligados a
processos inconscientes. É como se nossa personalidade visual tivesse descoberto que existem também fatores determinantes invisíveis, ao lado de fatores visíveis. Se não estamos de todo enganados, parecenos que os processos inconscientes longe estão de serem, ininteligentes. Falta-lhes, até mesmo estranhamente, o caráter de automatismo e de mecanismo. Por isto, eles jamais ficam abaixo dos
processos conscientes, em questão de subtilezas; pelo contrário, muitas vezes eles ultrapassam, de muito, os conhecimentos e percepções conscientes.
[641] Nossa personalidade visual imaginária poderia talvez duvidar que os distúrbios repentinos do seu mundo luminoso provenham de uma consciência. E, assim, também podemos duvidar da existência de uma consciência mais ampla, sem outro fundamento para esta dúvida senão a personalidade visual. Como, porém, não podemos chegar a esse estado de consciência mais ampla, e, por conseguinte,
não podemos compreendê-la, seria correto, sob nosso ponto de vista, dar a esta esfera obscura o nome de inconsciente.
[642] Neste ponto de nossa discussão retorno à minha hipótese inicial de uma consciência superior, porque o problema de que aqui nos ocupamos, ou seja, o de uma força do espírito que determina mais acima eu observei, de passagem, que uma idéia desprovida de força emotiva jamais poderá converter-se em um fator que determinasse o curso de nossa existência. Também disse que o aparecimento de um determinado espírito — ou atitude — constitui uma questão de vida e morte. Com isto eu quis enfatizar que nossa consciência não está em condição de produzir um complexo autônomo a seu bel-prazer. O complexo não é autônomo, a não ser que nos ocorra forçosamente e nos mostre visivelmente sua superioridade em relação à vontade consciente. Ele também constitui um daqueles distúrbios que provêm das regiões obscuras da psique. Quando eu disse, anteriormente, que a idéia deve necessariamente suscitar uma resposta das emoções, eu me referi a uma prontidão inconsciente que, por causa de sua natureza afetiva, atinge uma profundidade inteiramente inacessível à nossa consciência. Assim, nossa razão consciente não é capaz de destruir as raízes dos sintomas nervosos. Para isto seriam necessários processos emocionais que têm o poder de influenciar o sistema nervoso simpático. Por isto, poderíamos dizer também que uma idéia compulsiva se apresenta aos olhos da consciência do eu como uma ordem incondicional, quando a consciência mais ampla a considera adequada. Todos os que têm consciência do seu princípio norteador sabem com que autoridade indiscutível ele dispõe e domina a nossa vida. Mas, em geral, a consciência se acha tão preocupada em alcançar os objetivos que ela tem em vista, que jamais leva em conta a natureza do espírito que determina o curso de sua vida.
[643] Sob o ponto de vista psicológico, o fenômeno do espírito aparece, da mesma forma que qualquer complexo autônomo, como uma intenção superior — ou pelo menos de igual nível — do inconsciente. Se queremos fazer justiça à natureza daquilo que chamamos espírito, devemos antes falar de um inconsciente do que de uma consciência superior, porque o conceito de espírito exige que associemos a ele a déia de superioridade em relação à consciência do eu. A superioridade do espírito não lhe foi atribuída por uma reflexão consciente. Pelo contrário, é uma qualidade essencial inerente à sua manifestação, como no-lo mostram com evidência os documentos de todas as épocas, desde a Sagrada Escritura até o Zaratustra de Nietzsche. Psicologicamente falando, o espírito se manifesta como um ser pessoal, às vezes com uma clareza visionária. No dogma cristão, é inclusive a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Estes fatos nos mostram que o espírito nem sempre é uma idéia ou uma máxima que se possa formular, mas que nas suas manifestações mais vigorosas e mais imediatas, ele desenvolve uma vida autônoma toda própria, que é sentida como a vida de um ser independente de nós mesmos. Enquanto um espírito puder ser designado e descrito através de um princípio inteligível ou de uma idéia clara, certamente ele não será sentido como um ser independente. Mas, quando a idéia ou princípio em questão é imprevisível, quando suas intenções são obscuras quanto à origem e aos seus objetivos, mas assim mesmo se impõem, o espírito é necessariamente sentido como um ser independente, como uma espécie de consciência supe-rior, sua natureza superior e inescrutável e já não pode ser expressa em conceitos da razão humana. Em tais circunstâncias, nossa capacidade de expressão lança mão de outros re» cursos: cria um símbolo. [644] Por símbolo não entendo uma alegoria ou um mero sinal, mas uma imagem que descreve da melhor maneira possível a natureza do espírito obscuramente pressentida. Um símbolo não define nem explica. Ele aponta para fora de si, para um significado obscuramente pressentido, que escapa ainda à nossa compreensão e não poderia ser expresso adequadamente nas palavras de nossa linguagem atual. Um espírito que não pode ser traduzido em um conceito definido é um complexo psíquico situado nos limites da consciência de nosso eu. Ele não produz nem faz nada além daquilo que colocamos dentro dele. Mas um espírito que requer um símbolo para sua expressão é um complexo psíquico que encerra os germes fecundos de possibilidades incalculáveis. O exemplo mais ilustrativo e mais imediato é a eficácia do símbolo cristão, testemunhada pela história e cuja extensão é fácil de avaliar. Alguém que contemplar com isenção de ânimo o efeito produzido pelo espírito do Cristianismo primitivo sobre a mente dos homens medianos do século II, não pode furtar-se ao espanto que isto lhe causa. Mas nenhum espírito era mais criativo do que este. Por isto, não é de admirar que ele fosse sentido como possuidor de uma
superioridade divina.
[645] É justamente esta superioridade sentida com tanta clareza que confere ao fenômeno do espírito um caráter de revelação e uma autoridade absoluta — certamente uma qualidade perigosa, pois o
que poderíamos talvez chamar de consciência superior, nem sempre é "superior" do ponto de vista de nossos valores conscientes, mas muitas vezes contrasta violentamente com nossos ideais aceitos. Estritamente falando, poderíamos denominar esta consciência hipotética simplesmente de consciência "mais ampla", a fim de não dar margem ao preconceito de que ela é necessariamente superior em sentido intelectual ou moral. Há muitos espíritos luminosos e tenebrosos. Por isto deveríamos estar preparados para aceitar a concepção de que o espírito não é algo de absoluto, mas relativo, que precisa de ser completado e aperfeiçoado pela vida. São inúmeros os casos de pessoas de tal modo possuídas pelo
espírito, que o indivíduo já não vive, mas somente o seu espírito, e isto de maneira tal, que prejudica sua vida, em vez de torná-la mais rica e mais plena. Não quero absolutamente dizer com isto que a morte dos mártires cristãos foram atos de destruição sem objetivo e sem sentido; pelo contrário, tais mortes podem
significar também uma vida mais plena do que qualquer outra; refiro-me, antes, ao espírito de certas seitas que negam totalmente a vida. Mas o que teria acontecido com o espírito, se ele tivesse exterminado os homens? Naturalmente, a concepção montanista rigorosa estava de acordo com as exigências morais mais elevadas da época, mas destruía a vida. Por isto, creio que um espírito que esteja de acordo com
nossos mais altos ideais, encontra seus limites na própria vida. Por certo, ele é necessário à vida, porque, como sabemos muito bem, a pura vida do eu é sumamente inadequada e insatisfatória. Só uma vida vivida dentro de um determinado espírito é digna de ser vivida. É um fato estranho que uma vida vivida apenas pelo ego em geral é uma vida sombria, não só para a pessoa em si, como para aquelas que a cercam. A plenitude de vida exige muito mais do que apenas um eu; ela tem necessidade de um espírito, isto é, de um complexo independente e superior, porque é manifestamente o único que se acha em condições de dar uma expressão vital a todas aquelas virtua-lidades psíquicas que estão fora do alcance da consciência do eu. [646] Da mesma forma que existe uma paixão que almeja a uma vida cega e sem barreiras, existe também uma paixão que gostaria de sacrificar tudo ao espírito, justamente por causa de sua superioridade criadora. Esta paixão transforma o espírito em um tumor maligno que destrói absurdamente a vida
humana. [647] A vida é um dos critérios da verdade do espírito. Um espírito que priva o homem de qualquer possibilidade de vida e só procura a satisfação em si mesma, é um espírito do erro, embora isto não aconteça sem a culpa do homem, que pode entregar-se ou não aos impulsos do espírito.
[648] A vida e o espírito são duas forças ou necessidades entre as quais o homem está colocado. É o espírito que confere um sentido à vida humana, criando-lhe a possibilidade de se desenvolver ao máximo. Mas a vida é indispensável ao espírito, porque sua verdade não é nada, se não pode vive. Ciência e futuro Carl gustav Jung artigo espírito e vida Psicologia analítica , fonte A natureza da psique.
[601] A conexão entre espírito e vida é um daqueles problemas cujo tratamento envolve fatores de tal complexidade, que devemos nos pôr em guarda, a fim de não nos emaranharmos na trama das palavras com que procuramos capturar os grandes enigmas. Pois, como poderemos inserir aqueles complexos quase ilimitados de fatos que chamamos de "espírito" ou "vida", na corrente do pensar, senão revestindoos
de conceitos verbais, também eles meras fichas de contar do intelecto? Esta dúvida quanto à validade do conceito verbal, por inconveniente que seja, parece-me particularmente oportuna, quando nos apressamos a falar de coisas fundamentais. Por certo, "espírito" e "vida" são palavras familiares e mesmo velhas conhecidas, peças de xadrez movidas há milhares de anos, para diante e para trás, no tabuleiro do pensamento. Mas o problema deve ter surgido já nas brumas da pré-história, quando alguém fez a descoberta desconcertante de que o sopro vital que abandona o corpo no último estertor [Röcheln, em alemão] do moribundo, significa muito mais do que apenas o ar em movimento. Por isto provavelmente não é por mero acaso que palavras onomatopaicas tais como ruah (hebraico), ruh (árabe) e roho (svahili)
signifiquem "espírito", não menos claramente do que o grego pneuma [pneuma] e o latino spiritus.
[602] Apesar de estarmos familiarizados com o conceito verbal em questão, sabemos, de fato, o que é realmente o espírito? Ou estamos certos de que, empregando esta palavra, exprimimos, todos, uma só e mesma coisa? A palavra "espírito" não é um termo ambíguo e duvidoso, e mesmo desesperadamente
ambíguo? O mesmo signo verbal — "espírito" — é usado para expressar uma idéia transcendente e inexprimível; em sentido mais comum, é sinônimo do inglês mind. Designa também agudeza intelectual, mas significa também fantasma, assombração. Pode igualmente expressar um complexo que produz os fenômenos espíritas, como o das mesas girantes, os estalidos, etc. Em sentido metafórico, denota a atitude
dominante no seio de um grupo social particular — "o espírito que aí prevalece". Finalmente, é usado para designar uma qualidade material, por ex.: "espírito" de vinho, bebidas "espirituosas" em geral. Não se trata de uma brincadeira de mau gosto — é parte da herança venerável de nossa língua, embora não
deixe de ser também um peso que paralisa o pensamento, um trágico obstáculo para todos aqueles que esperam subir às alturas etéreas das idéias puras, usando as escadas das palavras. Com efeito, quando pronuncio a palavra "espírito", por mais cuidado que eu tenha em definir o sentido que pretendo comunicar no momento em que falo, não consigo de todo impedir que permaneça a aura de imprecisão e
de ambigüidade que a envolve.
[603] Por isto devemos colocar-nos a nós próprios a questão fundamental: Que significa propriamente a palavra "espírito", quando usada em conexão com o conceito de vida? Em circunstância nenhuma se deve supor tacitamente que, no fundo, todo mundo sabe precisamente o que significam os
termos "espírito" e "vida".[604] Não sou filósofo, mas empirista e, por isto, em todas as questões difíceis, inclino-me mais a deixar que a experiência decida. Mas onde não é possível encontrar uma base empírica tangível, prefiro deixar a questão sem resposta. Por isto, o meu objetivo constante é reduzir os fatores abstratos a seu
conteúdo empírico, para ter alguma certeza de conhecer também aquilo de que estou falando. Devo confessar que ignoro o que seja simplesmente o espírito, da mesma forma como não sei o que seja a vida em si. Conheço a "vida" somente sob a forma de um corpo vivo; mas o que ele seja em si e por si, em seu estado abstrato, nem sequer obscuramente o consigo imaginar. Assim, em vez de vida, devo falar
primeiramente do corpo vivo, e, em vez de espírito, devo falar de fatores psíquicos. Isto não quer dizer que eu me desvie da questão inicialmente colocada, para me entregar a uma reflexão sobre o corpo e a alma. Pelo contrário, espero que a abordagem empírica ajude-nos a encontrar uma base real para o espírito — e isto sem sacrifício para a vida.
[605] O conceito de corpo vivo nos oferece muito menos dificuldades para nosso trabalho de elucidação do que o conceito geral de vida, porque o corpo é uma realidade visível e palpável, que corresponde mais à nossa capacidade de expressão. Por isto podemos facilmente admitir que o corpo é
um sistema fechado em si, constituído de unidades materiais e adaptado às finalidades da vida e, como tal, é um fenômeno da entidade vital captada pelos nossos sentidos. Ou, dito em termos mais simples, é um arranjo adequado da matéria que torna possível a existência de um ser vivo. Com o fim de evitar qualquer confusão, eu gostaria de chamar a atenção para o fato de que na minha definição de corpo incluí uma componente que denomino vagamente de "entidade vital". Mas esta separação, que não pretendo defender ou criticar, quer apenas indicar que o corpo não deve ser entendido como um amontoado de matéria inerte, mas como um sistema material realmente pronto para a vida e que torna a vida possível, com a condição, porém, de que, mesmo estando pronto para a vida, este sistema não poderá viver sem a presença de um princípio vital. Pois, excluído o significado possível deste princípio vital, faltaria automaticamente ao corpo como tal algo que é estritamente necessário à sua vida, a saber: o fator psíquico. Conhecemos isto, diretamente, a partir de nossa experiência com nós mesmos, através da
observação científica em animais vertebrados superiores e nos animais inferiores e mesmo nas plantas,pois nenhum argumento prova o contrário.
[606] Podemos admitir que a "entidade vital" de que falamos acima é idêntica ao fator psíquico, por assim dizer diretamente percebida por nós na consciência humana, e, deste modo, restabelecer a antiqüíssima e conhecida dualidade existente entre alma e corpo? Ou existem razões que nos permitam separar a "entidade vital" da alma? Isto nos daria a possibilidade de considerar a alma também como um sistema apropriado, como um arranjo não apenas de matéria pronta para a vida, mas de matéria viva, ou, mais precisamente, como um processo vital. Não tenho a mínima certeza de que esta hipótese alcançará aprovação geral, pois estamos de tal modo habituados a conceber o corpo e a alma como um composto vital, que dificilmente nos inclinamos a ver na alma apenas um aglomerado de processos vitais que se passam no corpo.
[607] Até onde minha experiência me permite extrair conclusões gerais a respeito da natureza da alma, ela nos mostra que o processo psíquico é um fenômeno dependente do sistema nervoso. Sabemos, com razoável margem de certeza, que a destruição de certas partes do cérebro ocasiona deficiências psíquicas correspondentes. A medula espinhal e o cérebro consistem, essencialmente, através de conexões entre as vias sensoriais e motoras, o chamado arco reflexo ou arco diastáltico. Mostrarei o que isto significa, através de um exemplo simples muito elucidativo. Suponhamos que alguém toque com o dedo em um objeto aquecido: imediatamente, o calor excitará as extremidades dos nervos tácteis. O estímulo
altera o estado de toda a via de transmissão nervosa até a medula espinhal e daí ao cérebro. Mas já na medula espinhal, as células ganglionares que captam o estímulo táctil transmitem a mudança de estado às células ganglionares motoras vizinhas, as quais, por sua vez, enviam estímulos aos músculos do braço e provocam uma contração súbita da musculatura e a retração da mão. Tudo isto acontece com tanta
rapidez, que a percepção consciente da dor muitas vezes só ocorre quando a mão já está retraída. A reação é automática e só posteriomente é percebida de maneira consciente. Mas o que acontece na medula espinhal é transmitido ao eu que percebe, em forma de imagem ou cópia que podemos expressar através
de um conceito e de um nome. Com base em tal arco reflexo, ou seja, em um estímulo que se dá a partir de fora, podemos formar uma idéia dos processos que estão na raiz da psique.
[608] Tomemos agora um exemplo menos simples: Suponhamos que ouvimos um som indistinto cujo efeito inicial se reduz a um estímulo para escutarmos mais atentamente, para descobrirmos o que ele significa. Neste caso, o estímulo acústico desencadeia no cérebro toda uma gama de representações, de imagens, que se associam ao estímulo acústico. Parte delas se converte em imagens acústicas, parte em imagens visuais e parte em imagens sensoriais. Emprego a palavra imagem, aqui, simplesmente no sentido de representação. Uma entidade psíquica só pode ser um conteúdo consciente, isto é, só pode ser representada quando é representável, ou seja, precisamente quando possui a qualidade de imagem. Por isto chamo de imagens a todos os conteúdos conscientes porque são reflexos de processos que ocorrem no cérebro.
[609] À série de imagens suscitada pelo estímulo auditivo subitamente se acrescenta uma imagem acústica, surgida da memória e acompanhada de uma imagem visual, a saber, o chocalhar de uma cobra cascavel. Isto vem seguido imediatamente de um alarme enviado a todos os músculos do corpo. O arco reflexo está completo, mas, neste caso, difere do anterior, pelo fato de um processo cerebral, isto é, uma
série de imagens psíquicas, haver-se interposto entre o estímulo sensorial e o impulso motor. A tensão súbita do organismo reage sobre o coração e os vasos sangüíneos, provocando uma sucessão de processos que se refletem psiquicamente em forma de terror.
[610] É deste modo que podemos formar uma idéia da natureza da psique. Ela é constituída de imagens reflexas de processos cerebrais simples, e das reproduções destas imagens em uma sucessão quase infinita. Estas imagens reflexas têm o caráter de consciência. A natureza da consciência é um enigma cuja solução eu desconheço. Do ponto de vista puramente formal, contudo, podemos dizer que
um fator psíquico assume a qualidade de consciência quando entra em relação com o eu. Se não há esta relação, o fator permanece inconsciente. O esquecimento nos mostra muito bem quantas vezes e com que facilidade os conteúdos perdem sua ligação com o eu. Por isto, poderíamos comparar a consciência ao jato de luz emitido por um refletor. Só os objetos situados sob o cone de luz é que entram no campo de
minha percepção. Um objeto que se acha casualmente na escuridão, não deixou de existir; apenas não é visto. Assim, o fator psíquico de que eu não tenho consciência existe em alguma parte, num estado que, com toda probabilidade, não difere essencialmente daquele em que é visto pelo eu.
[611] A consciência, portanto, pode ser muito bem entendida como um estado de associação com o eu. Mas o ponto crítico é o eu. Que entendemos por eu? Apesar da aparente unidade do eu, trata-se evidentemente de um fator altamente compósito e variado, constituído de imagens provindas das funções sensoriais que transmitem os estímulos tanto de dentro como de fora; consiste igualmente em um imenso aglomerado de imagens resultantes de processos anteriores. Todas estas componentes sumamente variadas necessitam de um fator dotado de forte poder de coesão, qualidade esta que já identificamos na
consciência. Por isto, parece-me que a consciência é o requisito essencial para o eu. Mas sem o eu, é impossível pensar em consciência. Esta aparente contradição se resolve, se considerarmos o eu como o reflexo, não de um só, mas de muitos e variados processos e suas interações, ou seja, daqueles processos e
conteúdos que compõem a consciência do eu. A sua diversidade forma realmente uma unidade porque a sua relação com a consciência atua como uma espécie de força gravitacional, atraindo as várias partes na direção daquilo que poderíamos chamar de centro virtual. Por esta razão não falo simplesmente do eu,
mas de um complexo do eu __ definição da psicologia-Complexo: Conjunto de representações ou idéias estruturadas e caracterizadas por forte impregnação emocional , total ou parcialmente reprimidas , e que determinam as atitudes de um indivíduo , seu comportamento , seus sonhos, sua apercepção do mundo, etc__ , na suposição fundamentada de que o eu tem uma composição flutuante e por isto é mutável e conseqüentemente não pode ser simplesmente o eu. Infelizmente não posso discutir aqui as mudanças clássicas do eu que encontramos nos doentes mentais ou nos sonhos.
[612] Esta concepção do eu como um composto de elementos psíquicos nos leva logicamente à questão: É o eu a imagem central, o representante exclusivo do ser humano global? Todos os conteúdos e funções estão relacionados com ele e expressos através dele?
[613] Devemos responder negativamente a esta pergunta. A consciência do eu é um complexo que não abrange o ser humano em sua globalidade: ela esqueceu infinitamente mais do que sabe. Ouviu e viu uma infinidade de coisas das quais nunca tomou consciência. Há pensamentos que se desenvolvem à margem da consciência, plenamente configurados e completos, e a consciência os ignora totalmente. O eu
sequer tem uma pálida idéia da função reguladora e incrivelmente importante dos processos orgânicos internos a serviço da qual está o sistema nervoso simpático. O que o eu compreende talvez seja a menor parte daquilo que uma consciência completa deveria compreender.
[614] O eu, portanto, só pode ser um complexo parcelar. Talvez seja ele aquele complexo singular e único cuja coesão interior significa a consciência. Mas qualquer coesão das partes psíquicas não é em si mesma a consciência? Não se vê claramente a razão pela qual a coesão de uma certa parte das funções sensoriais e de uma certa parte do material de nossa memória deve formar a consciência, enquanto a coesão de outras partes da psique não a forma. O complexo da função da vista, da audição, etc, apresenta uma forte e bem organizada unidade interior. Não há razão para supor que esta unidade não possa ser também uma consciência. Como bem nos mostra o caso da surda-muda e cega Helen Keller, bastam o sentido do tato e a sensação corporal para tornar possível a consciência e fazê-la funcionar, embora se
trate de uma consciência limitada a estes dois sentidos. Por isto eu acho que a consciência do eu é uma síntese de várias "consciências sensoriais", na qual a autonomia de cada consciência individual fundiu-se na unidade do eu dominante.
[615] Como a consciência do eu não abrange todas as atividades e fenômenos psíquicos, isto é, não conserva todas as imagens nela registradas, e como a vontade, apesar de todo o seu esforço, não consegue penetrar em certas regiões fechadas da psique, surge-nos naturalmente a questão se não existiria uma coesão de todas as atividades psíquicas semelhante à consciência do eu, uma espécie de consciência superior e mais ampla na qual o nosso eu seria um conteúdo objetivo, como, por exemplo, o ato de ver, em minha consciência, fundido, como esta, com as outras atividades inconscientes em uma unidade superior. A consciência de nosso eu poderia certamente estar encerrada numa consciência completa, como um círculo menor encerrado em um maior.quando relacionada com o eu, produz uma consciência da atividade em questão, assim também o eu, como já disse anteriormente, pode ser entendido como a imagem ou reflexo de todas as atividades por ele compreendidas. Seria de esperar que todas as atividades psíquicas produzissem uma imagem reflexa de si próprias, e que nisto consistisse sua natureza essencial; do contrário, não poderiam ser chamadas "psíquicas". Por isto, é difícil entender por que as atividades psíquicas inconscientes não devem ter a capacidade característica de produzir imagens de si mesmas, como as atividades conscientes. E como nos parece que o homem constitui uma unidade vital autônoma e completa em si mesma, a conclusão lógica e imediata seria que as imagens produzidas por todas as atividades psíquicas se acham englobadas em uma
imagem total do homem todo que as contemplaria e as sentiria cientemente como um único eu.
[617] Eu não teria condições de apresentar qualquer argumento essencial contra esta hipótese; mas ela me parece uma fantasia ociosa, na medida em que não se vê a necessidade de semelhante hipótese explicativa. E mesmo tendo de admitir a possibilidade de uma consciência superior, para explicar a ocorrência de certos fatos psíquicos, isto não passaria de uma hipótese, porque provar a existência de uma
consciência superior, diferente daquela que conhecemos, estaria infinitamente acima da capacidade da nossa razão. Haveria sempre a possibilidade de que as coisas que jazem nas trevas situadas para além das fronteiras da consciência sejam em tudo e por tudo diferentes daquelas que o mais ousado engenho especulativo pudesse imaginar.
[618] No decorrer de minha exposição, terei oportunidade de voltar a esta questão. Por enquanto, deixá-la-emos de lado e nos dedicaremos à questão original da psique e do corpo. Do que acabamos de dizer creio deve ter ficado claro que a psique é constituída essencialmente de imagens. A psique é feita de uma série de imagens, no sentido mais amplo do termo, não é, porém, uma justaposição ou uma sucessão,
mas uma estrutura riquíssima de sentido e uma objetivação das atividades vitais, expressa através de imagens. E da mesma forma que a matéria corporal, que está pronta para a vida, precisa da psique para se tornar capaz de viver, assim também a psique pressupõe o corpo para que suas imagens possam viver. [619] A alma e o corpo são presumivelmente um par de opostos e, como tais, são a expressão de
uma só entidade cuja natureza não se pode conhecer nem a partir das manifestações materiais exteriores nem através das percepções interiores e diretas. Como sabemos, segundo uma antiga crença, o homem surge do concurso de uma alma com um corpo. Mais correto seria falar de um ser vivo desconhecido
sobre cuja natureza íntima o máximo que podemos dizer é que ela expressa vagamente a quintessência da vida. Externamente, este ser é um corpo material, mas, considerado do interior, parece constituído de uma série de imagens das atividades vitais que têm lugar no organismo. Os dois constituem uma só realidade,
e acomete-nos a dúvida se, no final de contas, toda esta separação entre alma e corpo nada mais seja do que mero expediente da razão para que percebamos os dois lados da mesma realidade, uma separação — conceitualmente necessária — de um só e mesmo fato em dois aspectos aos quais atribuímos indevidamente até mesmo uma existência autônoma.
[620] A Ciência até hoje não foi capaz de apreender o enigma da vida, nem através da matéria orgânica, nem através das misteriosas séries de imagens que brotam da psique. Conseqüentemente ainda estamos à procura daquele princípio vital cuja existência devemos postular para além dos limites da experiência. Quem conhece os abismos da fisiologia fica aturdido, diante das suas manifestações, da mesma maneira como aquele que tem noções sobre a psique humana, terá uma sensação de desespero, só de pensar que este estranho ser especular jamais atingirá qualquer "conhecimento" por mais aproximado que seja.
[621] Deste ponto de vista, alguém poderia facilmente abandonar qualquer esperança de dizer algo de preciso a respeito da natureza desta coisa vaga e fluida chamada espírito. Só uma coisa me parece clara: da mesma forma como o "princípio vital" é a quintessência da vida do corpo, assim também o "espírito" é a quintessência da natureza da alma; na realidade, o conceito de "espírito" é empregado promiscuamente com o conceito de "alma". Como tal, o "espírito" situa-se na mesma esfera transliminar da "entidade vital", isto é, no mesmo estado de indistinguibilidade. E a dúvida de que a alma e o corpo, em última análise, sejam uma só e mesma coisa, aplica-se também à aparente oposição entre espírito e "entidade vital". Também estes dois constituem uma só e mesma coisa.
[622] Mas estes conceitos de quintessência são absolutamente necessários? Não podemos contentar-nos com o contraste entre alma e corpo, já de per si bastante misterioso? Do ponto de vista das Ciências naturais deveríamos simplesmente parar por aqui. Mas existe um ponto de vista que satisfaz às exigências da ética epistemológica e não somente nos permite, mas nos obriga mesmo a ir adiante e saltar por cima deste limite aparentemente intransponível. Este ponto de vista é o psicológico.
[623] Até aqui tenho baseado minhas reflexões sobre o ponto de vista realista do pensamento científico, sem questionar o fundamento sobre o qual me sustento. Mas, para explicar rapidamente o que entendo por ponto de vista psicológico, devo mostrar que é possível duvidar seriamente da legitimidade exclusiva do ponto de vista realista. Tomemos como exemplo o que uma mente ingênua consideraria
como a mais real de todas as coisas, a saber, a matéria. Ora, a respeito da natureza da matéria temos apenas suposições teóricas obscuras, que, por sua vez, nada mais são do que imagens produzidas pela alma. É minha percepção que traduz os movimentos ondulares ou as emanações solares em luz. É minha
alma, com sua riqueza de imagens, que confere cor e som ao mundo; e aquela certeza racional sumamente real que chamamos experiência é um aglomerado complicadíssimo de imagens psíquicas, mesmo em sua forma mais simples. Assim, em certo sentido, da experiência imediata só nos resta a psique mesma. Tudo
nos é transmitido através da psique: traduzido, filtrado, alegorizado, desfigurado e mesmo falsificado. Achamo-nos de tal modo envolvidos em uma nuvem de imagens mutáveis e infinitamente cambiantes, que poderíamos exclamar com um conhecido e grande cético: "Nada é absolutamente verdadeiro — e até mesmo isto também não é totalmente verdadeiro". Tão espessa e enganadora é a névoa que nos cerca, que
foi preciso inventar uma ciência exata, para que pudéssemos ter pelo menos um vislumbre da chamada "natureza real" das coisas. Mas este mundo quase supervívido nada tem de nebuloso para uma mente simples. Mas se a mergulharmos na alma do primitivo e fizermos com que ela contemple com a consciência do civilizado a imagem que o primitivo tem do mundo, ela terá uma percepção do grande crepúsculo em que ainda estamos vivendo.[624] Tudo o que sabemos a respeito do mundo e tudo aquilo de que temos uma consciência imediata são os conteúdos conscientes que fluem de fontes remotas e obscuras. Não tenho a pretensão de contestar nem a validez relativa do ponto de vista, a do esse in re [do ser real], nem a do ponto de vista
idealista, a do esse in intellectu solo [do ser apenas no intelecto]; gostaria apenas de unir estes opostos extremos através do esse in anima [do ser na alma] que é justamente o ponto de vista psicológico. Vivemos imediatamente apenas no mundo das imagens.
[625] Se levarmos a sério este ponto de vista, as conseqüências daí resultantes serão peculiares, pois verificaremos que não podemos submeter a validez dos fatos psíquicos nem ao exame da crítica epistemológica nem à verificação científica direta. A única questão que se põe aqui é se existe ou não um conteúdo consciente. Se existe, então é válido em si mesmo. Só podemos invocar a Ciência, se o conteúdo pretender ser a única asserção válida a respeito de algo que encontramos no mundo exterior; e só podemos apelar para a crítica epistemológica, quando uma coisa que não se pode conhecer é apresentada ou postulada como cognoscível. Tomemos um exemplo conhecido de todos: a Ciência nunca descobriu um Deus, e a crítica epistemológica prova que é impossível o conhecimento de Deus; mas eis que surge a alma com a afirmação da experiência de Deus. Deus é um dado psíquico da experiência imediata. Se assim não fosse, nunca se poderia falar de Deus. O fato é válido em si mesmo — não exigindo qualquer demonstração não-psicológica — e inacessível a toda forma de crítica não-psicológica. Pode ser, inclusive, a mais imediata e, por conseguinte, a mais real de todas as experiências, que não pode ser ridicularizada nem invalidada por argumentos. Só as pessoas com um sentido do tato fracamente desenvolvido ou obstinadamente supersticiosas é que se fecham totalmente a esta verdade. Enquanto a experiência de Deus não exigir uma validez universal ou não afirmar a existência absoluta de Deus, será impossível qualquer crítica, pois não se pode criticar um fato irracional como, por exemplo, a existência do elefante. Contudo, a experiência de Deus goza de validez mais ou menos universal, de modo que quase
todos sabem aproximadamente o que significa a expressão "experiência de Deus". Tratando-se de um fato que ocorre com relativa freqüência, esta experiência deve ser reconhecida por uma psicologia científica. Não podemos simplesmente passar por cima daquilo que é tratado desdenhosamente como superstição.
Quando uma pessoa afirma que viu espíritos ou que está enfeitiçada — e para ela isto significa muito mais do que meras palavras — vemo-nos diante de um fato da experiência, e um fato tão comum, que todos sabem o que significam as palavras "espírito" e "feitiço". Por isto podemos estar certos de que em tais casos se trata realmente de um complexo de fatos psíquicos que, como tal, é tão "real" quanto a luz
que vemos. Não sei como poderei provar a existência do espírito de uma pessoa falecida, na realidade empírica exterior, nem posso imaginar um processo lógico graças ao qual pudesse deduzir, com certeza, uma continuação da vida depois da morte, mas, não obstante, tenho de contar com o fato de que, em todas as épocas e em todos os lugares, a alma sempre afirmou ter experimentado a presença de espíritos, assim como tenho de levar em consideração que muita gente nega redondamente esta experiência subjetiva.
[626] Depois desta, explicação de caráter mais genérico, eu gostaria de voltar ao conceito de espírito que não fomos capazes de apreender a partir de nosso antigo ponto de vista. "Espírito" (como Deus) designa um objeto da experiência psíquica cuja existência jamais poderá ser provada no mundo exterior nem ser conhecida por via racional, supondo-se aqui que estejamos usando a palavra "espírito" em seu melhor sentido. Se nos libertarmos do preconceito de que devemos reduzir todo conceito, seja a objetos da experiência externa, seja a categorias apriorísticas da razão, poderemos voltar nossa atenção e nossa curiosidade para aquele ser estranho e ainda desconhecido que chamamos espírito. É sempre útil, em tais casos, lançar um olhar sobre a provável etimologia da palavra, porque acontece muitas vezes que é justamente a história de uma palavra que lança uma luz surpreendente sobre a natureza do objeto psíquico que lhe está na origem.
[627] O termo Geist no antigo alto-alemão e gâst no anglo-saxão significam um ser supraterreno, em oposição ao corpo. Segundo Kluge, o significado fundamental desta palavra não é de todo certo, embora pareça ter certa relação com o antigo norueguês geisa, estar com raiva; com o gótico us-gaisyan, ficar fora de si; com o suíço-alemânico, ûf-gaista, enfurecer-se, e com o inglês aghast, agastado, irado.
Dizer que um indivíduo "teve um acesso de raiva" significa que algo caiu sobre ele o o subjugou; que o demônio está montado nele; que está possesso e que alguma coisa penetrou no seu íntimo, etc. No estágio pré-psíquico, e mesmo ainda hoje, na linguagem poética, que deve a sua força a seu primitivismo vital, as emoções e os afetos são personificados freqüentemente sob a forma de demônio. "Estar apaixonado por alguém" significa que foi ferido pelas setas de Cupido. Érica atirou o pomo da discórdia entre os homens, etc. Quando ficamos "fora de nós, de tanta raiva", evidentemente já não somos idênticos a nós mesmos, mas estamos possuídos por um demônio, por um espírito.
[628] A atmosfera primitiva em que surgiu pela primeira vez a palavra "espírito" ainda sobrevive em nós, embora a um nível psíquico situado um tanto abaixo da consciência. Mas, como nos mostra o espiritismo moderno, é preciso muito pouco para trazer à tona aquela parcela de mentalidade primitiva. Se a derivação etimológica (em si mesma assaz provável) corresponde à verdade, então "espírito" neste sentido é a imagem reflexa de um afeto personificado. Quando alguém, por exemplo, se deixa arrebatar por afirmações imprudentes, dizemos que sua língua lhe escapa, o que equivale a afirmar que suas
palavras se convertem em um ser independente que o arrasta para lá e para cá, como que fugindo com ele. Psicologicamente diríamos que todo afeto tende a se tornar um complexo autônomo (e veja que o eu como a psicologia auxilia-nos: é um complexo psíquico solidamente constituído), tende a desligar-se da hierarquia da consciência e, se possível, a arrastar o eu atrás de si. Não é de admirar, portanto, que a
mente primitiva veja aí a atividade de um ser estranho e invisível, um espírito. Neste caso, o espírito é o reflexo do afeto autônomo e esta é a razão pela qual os antigos, muito apropriadamente, chamam os espíritos de imagines, imagens.
[629] Voltemo-nos agora para outros sentidos em que se utiliza o termo "espírito". A frase: "Ele age no espírito de seu falecido pai", ainda tem duplo sentido, porque a palavra "espírito", neste caso, tanto se refere ao espírito de um morto quanto a uma atitude interior. Outras maneiras de dizer são: "criou-se um novo espírito", "agora sopra um espírito novo", significando com isto uma renovação de mentalidade. A idéia fundamental é, de novo, a de que um espírito se apossa das pessoas e das coisas, como se se tornasse, por ex., o spiritus rector [o espírito guia] de uma casa. Também pode acontecer que alguém diga, com uma nota de preocupação: "Um espírito mau reina naquela família". [630] Aqui já não estamos mais diante de personificações de afetos, mas de visualizações de todo um modo de pensar e de sentir — ou expresso em linguagem psicológica — de uma atitude. Uma atitude
má, expressa como um "espírito mau", tem, segundo uma concepção ingênua, quase a mesma função de um afeto personificado. Isto pode parecer surpreendente para muitas pessoas, porque ordinariamente por "atitude" se entende em "posicionar-se diante de uma determinada coisa", ou seja, pois, uma atividade do eu que implica uma intencionalidade. Entretanto, a atitude ou disposição interior nem sempre é o produto de uma volição, mas deve seu caráter peculiar, talvez com muito mais freqüência, ao contágio, ao exemplo e à influência do meio ambiente. Como se sabe, existem pessoas cuja atitude má envenena a atmosfera; seu mau exemplo é contagioso: elas deixam nervosas outras pessoas, por seu caráter intolerável. Na escola basta um só aluno de mau caráter para corromper o espírito da classe inteira; e, inversamente, a disposição alegre e inocente de uma criança pode iluminar e transformar a atmosfera que, de outra forma, seria sombria, o que naturalmente só é possível quando a atitude de cada um, individualmente, é melhorada pelo bom exemplo. Uma atitude, portanto, pode impor-se mesmo contra a vontade consciente: "um espírito perverso corrompe os bons costumes". É na sugestão das massas onde isto mais se evidencia.
[631] A atitude ou disposição, portanto, pode impor-se à consciência, a partir de fora ou de dentro, como um afeto, e, por conseguinte, pode ser expressa em figuras de linguagem. À primeira vista, a atitude parece muito mais complicada do que um afeto. Mas um exame aprofundado nos mostra que não é assim, pois a maioria das atitudes, por assim dizer, se baseia consciente ou inconscientemente em sentenças que têm freqüentemente o caráter de um provérbio. Em certas atitudes identificamos imediatamente a sentença subjacente, e chegamos mesmo a descobrir a sua fonte. Muitas vezes, a atitude se caracteriza apenas por uma única palavra, que geralmente expressa um ideal. Acontece não poucas vezes que a quintessência de uma atitude não é uma sentença nem um ideal, mas uma personalidade que se reverencia e se imita.
[632] A educação se utiliza dos fatos psicológicos e procura sugerir as atitudes adequadas mediante sentenças e ideais, muitos dos quais, na realidade, continuam a exercer sua influência ao longo de toda a vida, como princípio ou idéias-mestras duradouras. Elas se apoderam do homem, como os espíritos. A um nível mais primitivo, é inclusive a visão do mestre de doutrina, do poimen ou oimandres, que personifica o princípio orientador e o concretiza em uma figura simbólica. [633] Aqui nos aproximamos do conceito de "espírito", que ultrapassa de longe o sentido animístico do termo. Os aforismos ou os provérbios, via de regra, são o resultado de muitas experiências e esforços individuais, a suma de percepções e de conclusões, condensada em poucas palavras expressivas. Se submetermos a palavra bíblica: "Possuí como se não possuísseis" a uma análise rigorosa, procurando reconstituir todas aquelas experiências e reações de que resultou a quintessência da sabedoria de vida contida neste aforismo, não podemos deixar de admirar a plenitude e a maturidade da experiência de vida que está por detrás dela. É uma palavra "impressionante" que toca o sentido receptivo com grande força, e talvez dele se apodere duradouramente. Aqueles aforismos ou idéias que a mais rica experiência de vida e a mais profunda reflexão encerram, constituem aquilo que chamamos "espírito" no melhor sentido do termo. Se uma idéia-mestra deste gênero consegue uma dominação absoluta, nós dizemos que a vida vivida sob sua guia é uma vida regida pelo espírito ou vida espiritual. E quanto mais absoluta e mais compulsiva é a influência da idéia-mestra, tanto mais ela possui a natureza de um complexo autônomo que se contrapõe à consciência do eu como um fato irresistível.
[634] Não devemos perder de vista que tais máximas ou idéias-mestras — não excetuando sequer as melhores dentre elas — não são palavras mágicas cujo poder é absoluto; só adquirem domínio sob certas condições, isto é, quando há dentro de nós algo que lhes corresponde, ou seja, algum afeto que esteja pronto a se apoderar da forma apresentada. Somente através da reação dos sentimentos é que a idéia, ou o que possa ser o princípio orientador, se torna um complexo dominante. Sem esta reação, a idéia continuaria um conceito submetido ao arbítrio da consciência, uma simples peça de calcular intelectual, sem poder de determinação. A idéia que for um mero conceito intelectual não pode ter influência na vida, porque neste estado ela não passa de uma palavra vazia de sentido; e inversamente, quando a idéia adquire a importância de um complexo autônomo, ela passa a atuar sobre a vida do indivíduo através de suas emoções e sentimentos. [635] Não devemos pensar que estas atitudes resultem de atos conscientes de nossa vontade e de uma escolha consciente. Quando dissemos, acima, que para isto é necessária também a ajuda das emoções e dos sentimentos, poderíamos também ter dito que, para além da vontade consciente, deve haver uma disposição inconsciente de produzir uma atitude autônoma. Não se pode propriamente querer ser espiritual, porque todos os princípios que podemos escolher ou que desejamos alcançar permanecem sempre dentro dos limites de nossas emoções e sentimentos e são submetidos ao controle de nossa consciência; por isto nunca podem converter-se naquilo que escapa ao domínio da vontade consciente.Trata-se, antes, da questão decisiva e crucial: que princípio deve reger nossa conduta.
[636] Certamente uma pergunta que se fará a este respeito é a se não haveria indivíduos para os quais o próprio livre-arbítrio constituiria o supremo princípio do agir, de modo que todas as suas atitudes seriam intencionalmente escolhidas por eles próprios. Não acredito que alguém haja atingido ou venha atingir esta semelhança com Deus, mas sei que há muitos que almejam este ideal, porque estão dominados pela idéia heróica da liberdade absoluta. De um modo ou de outro, todos os homens são dependentes; todos são determináveis de alguma forma, pois não são deuses.
[637] Acontece que nossa consciência não exprime a totalidade da natureza humana; é e permanece apenas uma parcela da mesma. Como se há de lembrar, em minhas considerações iniciais, mencionei a possibilidade de que a consciência de nosso eu não é necessariamente a única forma de consciência de nosso sistema, mas talvez esteja subordinada inconscientemente a uma consciência mais ampla, da mesma forma como os complexos mais simples estão subordinados ao complexo do eu.
[638] Não sei como poderíamos provar que existe em nós uma consciência superior ou mais ampla do que a consciência do eu; mas, se existe tal consciência, ela deve perturbar sensivelmente a consciência do eu. Ilustrarei com um exemplo singelo o que pretendo dizer. Suponhamos que nosso sistema ótico tenha sua própria consciência e seja, por conseguinte, uma espécie de personalidade que eu
chamarei de "personalidade visual". Suponhamos, ainda, que esta personalidade visual descobriu uma bela vista e que mergulhou em sua contemplação. De repente o sistema auditivo ouve a buzina de um automóvel. Esta percepção permanece inconsciente para o sistema ótico. O eu emite — também de modo inconsciente para o sistema ótico — uma ordem aos músculos, para que eles desloquem o corpo para uma outra posição no espaço. Este movimento subtrai subitamente o objeto do alcance da consciência visual.
Se os olhos pudessem pensar, chegariam à conclusão de que o mundo iluminado acha-se exposto a toda espécie de distúrbios obscuros.[639] Algo de semelhante aconteceria à nossa consciência, se houvesse uma consciência mais ampla, uma consciência que, como já indiquei acima, seria uma imagem do homem todo. Existem,
realmente, distúrbios obscuros desta natureza, que nenhuma vontade pode controlar e nenhum propósito pode remover? E existe em algum recanto dentro de nós algo de intocável que pudesse ser eventualmente
a fonte de tais distúrbios? À primeira questão podemos responder, sem mais, pela afirmativa. Nas pessoas normais — para não falar dos neuróticos — podemos observar facilmente as interferências e os distúrbios mais evidentes, originários de uma outra esfera: o humor de uma pessoa pode mudar subitamente; uma
dor de cabeça assalta-nos inopinadamente; o nome de um conhecido que queríamos apresentar foge-nos da mente; uma melodia persegue-nos um dia inteiro; gostaríamos de fazer alguma coisa, mas a energia necessária para isto desapareceu de modo inexplicável; esquecemos aquilo que de maneira nenhuma
desejaríamos esquecer; gostaríamos de pegar logo no sono, mas o sono nos foge, ou, se adormecemos, nosso sono é perturbado por sonhos fantásticos e angustiantes; procuramos pelos óculos que estão em nosso nariz, como se os tivéssemos perdido em algum lugar; esquecemos o novo guarda-chuva mas não
sabemos onde. Poderíamos multiplicar infinitamente a lista de casos. Quando estudamos a psicologia dos neuróticos, defrontamo-nos com distúrbios os mais paradoxais possíveis. Vemos surgir sintomas patológicos estranhíssimos, mas não encontramos nenhum órgão doente. A temperatura do corpo se eleva
a mais de quarenta graus, sem que se detecte a menor perturbação no organismo; estados sufocantes de angústia se manifestam, sem nenhuma causa real; açodem idéias obsessivas, de cujo caráter absurdo até o próprio paciente se dá conta; erupções cutâneas aparecem e desaparecem, independentemente de qualquer
motivo real ou de qualquer terapia. Aqui também a lista seria interminável. Para cada caso encontra-se naturalmente uma explicação boa ou má, a qual, todavia, não serve absolutamente para o caso seguinte. Mas não pode haver nenhuma dúvida ou incerteza quanto à existência dos distúrbios.
[640] Quanto à segunda questão, concernente à origem destes distúrbios, é preciso observar que a Psicologia médica formulou o conceito de inconsciente e provou que estes distúrbios estão ligados a
processos inconscientes. É como se nossa personalidade visual tivesse descoberto que existem também fatores determinantes invisíveis, ao lado de fatores visíveis. Se não estamos de todo enganados, parecenos que os processos inconscientes longe estão de serem, ininteligentes. Falta-lhes, até mesmo estranhamente, o caráter de automatismo e de mecanismo. Por isto, eles jamais ficam abaixo dos
processos conscientes, em questão de subtilezas; pelo contrário, muitas vezes eles ultrapassam, de muito, os conhecimentos e percepções conscientes.
[641] Nossa personalidade visual imaginária poderia talvez duvidar que os distúrbios repentinos do seu mundo luminoso provenham de uma consciência. E, assim, também podemos duvidar da existência de uma consciência mais ampla, sem outro fundamento para esta dúvida senão a personalidade visual. Como, porém, não podemos chegar a esse estado de consciência mais ampla, e, por conseguinte,
não podemos compreendê-la, seria correto, sob nosso ponto de vista, dar a esta esfera obscura o nome de inconsciente.
[642] Neste ponto de nossa discussão retorno à minha hipótese inicial de uma consciência superior, porque o problema de que aqui nos ocupamos, ou seja, o de uma força do espírito que determina mais acima eu observei, de passagem, que uma idéia desprovida de força emotiva jamais poderá converter-se em um fator que determinasse o curso de nossa existência. Também disse que o aparecimento de um determinado espírito — ou atitude — constitui uma questão de vida e morte. Com isto eu quis enfatizar que nossa consciência não está em condição de produzir um complexo autônomo a seu bel-prazer. O complexo não é autônomo, a não ser que nos ocorra forçosamente e nos mostre visivelmente sua superioridade em relação à vontade consciente. Ele também constitui um daqueles distúrbios que provêm das regiões obscuras da psique. Quando eu disse, anteriormente, que a idéia deve necessariamente suscitar uma resposta das emoções, eu me referi a uma prontidão inconsciente que, por causa de sua natureza afetiva, atinge uma profundidade inteiramente inacessível à nossa consciência. Assim, nossa razão consciente não é capaz de destruir as raízes dos sintomas nervosos. Para isto seriam necessários processos emocionais que têm o poder de influenciar o sistema nervoso simpático. Por isto, poderíamos dizer também que uma idéia compulsiva se apresenta aos olhos da consciência do eu como uma ordem incondicional, quando a consciência mais ampla a considera adequada. Todos os que têm consciência do seu princípio norteador sabem com que autoridade indiscutível ele dispõe e domina a nossa vida. Mas, em geral, a consciência se acha tão preocupada em alcançar os objetivos que ela tem em vista, que jamais leva em conta a natureza do espírito que determina o curso de sua vida.
[643] Sob o ponto de vista psicológico, o fenômeno do espírito aparece, da mesma forma que qualquer complexo autônomo, como uma intenção superior — ou pelo menos de igual nível — do inconsciente. Se queremos fazer justiça à natureza daquilo que chamamos espírito, devemos antes falar de um inconsciente do que de uma consciência superior, porque o conceito de espírito exige que associemos a ele a déia de superioridade em relação à consciência do eu. A superioridade do espírito não lhe foi atribuída por uma reflexão consciente. Pelo contrário, é uma qualidade essencial inerente à sua manifestação, como no-lo mostram com evidência os documentos de todas as épocas, desde a Sagrada Escritura até o Zaratustra de Nietzsche. Psicologicamente falando, o espírito se manifesta como um ser pessoal, às vezes com uma clareza visionária. No dogma cristão, é inclusive a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Estes fatos nos mostram que o espírito nem sempre é uma idéia ou uma máxima que se possa formular, mas que nas suas manifestações mais vigorosas e mais imediatas, ele desenvolve uma vida autônoma toda própria, que é sentida como a vida de um ser independente de nós mesmos. Enquanto um espírito puder ser designado e descrito através de um princípio inteligível ou de uma idéia clara, certamente ele não será sentido como um ser independente. Mas, quando a idéia ou princípio em questão é imprevisível, quando suas intenções são obscuras quanto à origem e aos seus objetivos, mas assim mesmo se impõem, o espírito é necessariamente sentido como um ser independente, como uma espécie de consciência supe-rior, sua natureza superior e inescrutável e já não pode ser expressa em conceitos da razão humana. Em tais circunstâncias, nossa capacidade de expressão lança mão de outros re» cursos: cria um símbolo. [644] Por símbolo não entendo uma alegoria ou um mero sinal, mas uma imagem que descreve da melhor maneira possível a natureza do espírito obscuramente pressentida. Um símbolo não define nem explica. Ele aponta para fora de si, para um significado obscuramente pressentido, que escapa ainda à nossa compreensão e não poderia ser expresso adequadamente nas palavras de nossa linguagem atual. Um espírito que não pode ser traduzido em um conceito definido é um complexo psíquico situado nos limites da consciência de nosso eu. Ele não produz nem faz nada além daquilo que colocamos dentro dele. Mas um espírito que requer um símbolo para sua expressão é um complexo psíquico que encerra os germes fecundos de possibilidades incalculáveis. O exemplo mais ilustrativo e mais imediato é a eficácia do símbolo cristão, testemunhada pela história e cuja extensão é fácil de avaliar. Alguém que contemplar com isenção de ânimo o efeito produzido pelo espírito do Cristianismo primitivo sobre a mente dos homens medianos do século II, não pode furtar-se ao espanto que isto lhe causa. Mas nenhum espírito era mais criativo do que este. Por isto, não é de admirar que ele fosse sentido como possuidor de uma
superioridade divina.
[645] É justamente esta superioridade sentida com tanta clareza que confere ao fenômeno do espírito um caráter de revelação e uma autoridade absoluta — certamente uma qualidade perigosa, pois o
que poderíamos talvez chamar de consciência superior, nem sempre é "superior" do ponto de vista de nossos valores conscientes, mas muitas vezes contrasta violentamente com nossos ideais aceitos. Estritamente falando, poderíamos denominar esta consciência hipotética simplesmente de consciência "mais ampla", a fim de não dar margem ao preconceito de que ela é necessariamente superior em sentido intelectual ou moral. Há muitos espíritos luminosos e tenebrosos. Por isto deveríamos estar preparados para aceitar a concepção de que o espírito não é algo de absoluto, mas relativo, que precisa de ser completado e aperfeiçoado pela vida. São inúmeros os casos de pessoas de tal modo possuídas pelo
espírito, que o indivíduo já não vive, mas somente o seu espírito, e isto de maneira tal, que prejudica sua vida, em vez de torná-la mais rica e mais plena. Não quero absolutamente dizer com isto que a morte dos mártires cristãos foram atos de destruição sem objetivo e sem sentido; pelo contrário, tais mortes podem
significar também uma vida mais plena do que qualquer outra; refiro-me, antes, ao espírito de certas seitas que negam totalmente a vida. Mas o que teria acontecido com o espírito, se ele tivesse exterminado os homens? Naturalmente, a concepção montanista rigorosa estava de acordo com as exigências morais mais elevadas da época, mas destruía a vida. Por isto, creio que um espírito que esteja de acordo com
nossos mais altos ideais, encontra seus limites na própria vida. Por certo, ele é necessário à vida, porque, como sabemos muito bem, a pura vida do eu é sumamente inadequada e insatisfatória. Só uma vida vivida dentro de um determinado espírito é digna de ser vivida. É um fato estranho que uma vida vivida apenas pelo ego em geral é uma vida sombria, não só para a pessoa em si, como para aquelas que a cercam. A plenitude de vida exige muito mais do que apenas um eu; ela tem necessidade de um espírito, isto é, de um complexo independente e superior, porque é manifestamente o único que se acha em condições de dar uma expressão vital a todas aquelas virtua-lidades psíquicas que estão fora do alcance da consciência do eu. [646] Da mesma forma que existe uma paixão que almeja a uma vida cega e sem barreiras, existe também uma paixão que gostaria de sacrificar tudo ao espírito, justamente por causa de sua superioridade criadora. Esta paixão transforma o espírito em um tumor maligno que destrói absurdamente a vida
humana. [647] A vida é um dos critérios da verdade do espírito. Um espírito que priva o homem de qualquer possibilidade de vida e só procura a satisfação em si mesma, é um espírito do erro, embora isto não aconteça sem a culpa do homem, que pode entregar-se ou não aos impulsos do espírito.
[648] A vida e o espírito são duas forças ou necessidades entre as quais o homem está colocado. É o espírito que confere um sentido à vida humana, criando-lhe a possibilidade de se desenvolver ao máximo. Mas a vida é indispensável ao espírito, porque sua verdade não é nada, se não pode vive. Ciência e futuro Carl gustav Jung artigo espírito e vida Psicologia analítica , fonte A natureza da psique.
"O mundo natural se comporta como psiquico e não psiquico ao mesmo tempo, e o espaço e tempo se relativiza na psique", "só uma mente desprovida de criatividade nega suas próprias insuficiências"Jung
Causas para alcançar a liberdade Individual:
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