Acho que muitos já comentaram com o que eu penso sobre o assunto. Cotas para ensino superior me parecem apropriadas, mas não por critérios raciais, e sim sócio-economicas. Basta notar que as universidades públicas são tomadas por uma maioria que teve formação em escolas particulares. Há quem diga que as cotas raciais, ironicamente, deram certo pois o nível intelectual dos cotistas se assemelha aos não-cotistas. Por aí já me perguntaria qual a necessidade deste tipo de cota então?
No caso dos concursos públicos, a situação é bem mais esdrúxula. Primeiramente, as justificativas pra criação de uma lei como essa se mostram bem frágeis e podem ser refutadas. Segundo, a lei 12.990/14, que instituiu as cotas raciais para concursos do executivo da União é temorosa ao definir a auto-declaração como critério para definir negros ou não. Terceiro, os negros concorrem a 100% das vagas oferecidas, 80% da geral e 20% das cotas (sistema de dupla-lista). Já os não cotistas se limitam aos 80% da geral. A consequencia dessa bizarrice é que os 20% cotistas obrigatoriamente terão notas menores que os não-cotistas (os cotistas que tiverem notas para aprovação na ampla concorrencia não ocupam as vagas de cotistas). É uma aberração populista que deputados e senadores também foram favorávei$.
Ainda sobre esse tema, os motivos para eu ser contra as cotas em concursos públicos são melhor explicitados por uma decisão do início dessa semana, em que um juiz do TRT da Bahia obrigou o Banco do Brasil a nomear candidato não-cotista que tivera nota superior aos cotistas entendendo pela inconstitucionalidade da lei. Selecionei as exposições do juiz:
Ressalto, por pertinente, que na hipótese dos autos estão em jogo valores e aspectos distintos daqueles que foram debatidos pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADPF n.º 186, que tratou da constitucionalidade da política de acesso às universidades públicas pautada no princípio da diversidade, com o propósito de enriquecer o processo de formação e disseminação do conhecimento. Naquele caso estava em jogo o direito humano e fundamental à educação, inerente a todos os cidadãos indistintamente, enquanto instrumento necessário ao efetivo gozo de outros direitos humanos e fundamentais, como a liberdade e igualdade. Houve, em consequência, a valorização e reconhecimento estatal da fundamentalidade dos direitos à educação, a partir, evidentemente, da ideia de unidade, harmonia e indivisibilidade dos direitos fundamentais. No caso em análise, a Lei n.º 12.990/2014 assegurou a reserva de vagas para os negros nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos; entretanto, não existe direito humano ou fundamental garantindo cargo ou emprego público aos cidadãos, até porque a matriz constitucional brasileira é pautada na economia de mercado (art. 173), onde predomina o livre no exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII) e na livre iniciativa, livre concorrência e livre exercício de qualquer atividade econômica (art. 170), observando-se, evidentemente, os ditames da justiça social. A exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (art. 173). Não fosse assim, teria o Estado a obrigação (ou pelo menos o compromisso) de disponibilizar cargos e empregos públicos para todos os cidadãos, o que não é verdade, tanto que presenciamos nos últimos anos um verdadeiro enxugamento (e racionalização) da máquina pública. Na verdade, o provimento de cargos e empregos públicos mediante concurso não representa política pública para promoção da igualdade, inclusão social ou mesmo distribuição de renda. Nessas condições, não há justifica plausível para a instituição de critérios de discriminação positiva ou ações afirmativas nesse particular. Além disso, a reserva de cotas para suprir eventual dificuldade dos negros na aprovação em concurso público é medida inadequada, já que a origem do problema é a educação, para o que já foi instituída a respectiva politica pública de cotas (Lei n.º 12.711/2012 e ADPF n.º 186). Então, fica evidente que a solução proposta pela Lei n.º 12.990/2014 é inconstitucional, já que a instituição de cotas imporá um tratamento discriminatório, violando a regra da isonomia, e não suprirá o deficit de formação imputado aos negros. Assim, e a prevalecer as disposições da Lei n.º 12.990/2014, os negros poderão ser duplamente favorecidos com as políticas afirmativas, o que não parece razoável nem proporcional. Teriam, num primeiro momento, as cotas para as instituições de ensino (o que proporcionaria igualdade de formação e é constitucional - ADPF n.º 186) e, em seguida, novas cotas para ingresso nos quadros do serviço público, quando já estariam em condições de igualdade para tal disputa. Outro aspecto a ser considerado é a opção expressa do constituinte originário pelo concurso público7 como regra objetiva e geral para a seleção de candidatos para cargos e empregos públicos, com o propósito de aferir e selecionar os melhores de acordo com suas aptidões para o exercício das respectivas funções (art. 37, II, da Constituição Federal). A única cláusula de relativização deste regra diz respeito as pessoas portadoras de deficiência (art. 37, VIII, da Constituição Federal). Fora dessa hipótese expressamente ressalvada no texto constitucional, não há outra. E como não há outra exceção admitida pelo texto constitucional, não poderia o legislador infraconstitucional criá-la, sob pena de comprometer a obrigação constitucional de o Estado fornecer e prestar um serviço público de qualidade e de violar o direito fundamental do cidadão a tais serviços, o que tem sido denominado na doutrina como direito fundamental à boa administração pública. Há, portanto, inconstitucionalidade na Lei n.º 12.990/2014 pela flexibilização de uma regra constitucional objetiva e instituída em prol do princípio da impessoalidade, da moralidade, da eficiência e da qualidade do serviço público. A Lei n.º 12.990/2014 permite, ainda, situações esdrúxulas e irrazoáveis, tanto em razão da ausência de critérios objetivos para a identificação dos negros (pretos ou pardos), quanto pela total inexistência de critérios relacionados à ordem de classificação e, ainda, em razão da inexistência de qualquer corte social.