Um novo livro conta a história de sucesso e intrigas da família Dassler, que fundou a Adidas e a Puma.
Uma cidadezinha de poucos milhares de habitantes na Baviera, no sul da Alemanha, é o epicentro de uma história fascinante de negócios no mundo dos esportes. Lá nasceu a primeira fábrica alemã de calçados esportivos. Ela deu origem à Adidas e à Puma, frutos do ódio entre dois irmãos, que durou além da morte de ambos. Por quatro décadas, as duas empresas e seus donos dominaram de tal forma o mercado mundial de material esportivo, e depois o de marketing esportivo, que suas histórias se confundem com a do esporte moderno. No livro Invasão de Campo (Ed. Zahar, 362 págs.), recém-lançado no país, a jornalista holandesa Barbara Smit conta em detalhes como as duas marcas conseguiram conquistar o mundo, em meio a disputas e trapaças entre parentes.
O começo é bem conhecido. Nos anos 1920, dois irmãos, Rudolph e Adolph (“Adi”) Dassler, farejaram o crescimento dos esportes na Alemanha e montaram juntos uma indústria no ramo. Graças aos calçados inovadores e a uma rede de contatos com esportistas e técnicos, a empresa cresceu rapidamente. Mas os irmãos começaram a brigar. O conflito se acentuou principalmente no final da Segunda Guerra Mundial. Em 1948, nos escombros da Alemanha, a sociedade se rompeu. Duas novas empresas surgiram em seu lugar, cada uma delas situada de um lado do rio que corta a pequena Herzogenaurach. Naquela época, a matéria-prima era tão rara que, segundo a autora, os Dasslers fuçavam o lixo à procura de couro e pregos.
Desde o começo, a Adidas foi maior que a Puma, em parte pela qualidade de seus tênis (Adi era o sapateiro), em parte pela personalidade dos irmãos. Adi era mais tímido e afável. Dava-se bem com todo mundo. Contava também com o apoio de sua mulher, Käther, para comandar a empresa. Ela era uma espécie de relações-públicas primitiva que recebia os clientes de forma acolhedora. Rudolph, ao contrário, era explosivo. E sua mulher cuidava da casa e dos filhos. Em 1953, Rudolph brigou com o técnico da seleção alemã e a Puma deixou de ser a fornecedora de chuteiras do time. Isso abriu caminho para a Adidas a substituir. Na Copa do Mundo de 1954, o sucesso de suas chuteiras (elas podiam ter as travas trocadas, conforme as condições do campo) selou a mais longa parceria do esporte mundial, que dura até hoje.
A Adidas conquistou seu sucesso mais por relacionamento e acordos secretos que em decorrência de uma estratégia sofisticada de marketing. Para impulsionar os negócios, Adi, no auge do nazismo, forneceu produtos a Jesse Owens, o negro que fez naufragar as ilusões sobre a supremacia ariana que Adolf Hitler queria celebrar nos Jogos de Berlim. Em 1952, fez o mesmo com o fundista tcheco Emil Zatopek, atleta de um país comunista. Nos dois casos, o acordo foi secreto para não irritar dirigentes, nazistas ou comunistas.
O mesmo espírito foi levado ao limite pelo filho de Adi, Horst, o mais influente e polêmico dos Dasslers dos dois lados. Ele começou a trabalhar na empresa ainda jovem para ajudar os pais. Seu lema era “negócios são uma atividade de relacionamento”. Em 1956, com menos de 30 anos, Horst pegou o estoque da Adidas na Austrália e distribuiu aos atletas que iriam competir nos Jogos de Melbourne. Não faturou nem um tostão, mas garantiu que mais de 70% dos medalhistas de ouro aparecessem nas fotos com os tênis das três listras que identificavam a empresa. Com isso, criou uma valiosa rede de contatos, que lhe foi útil até sua morte, em 1987, já que muitos atletas se tornaram depois dirigentes esportivos e contrataram a Adidas como fornecedora.
O sucesso de Horst e as brigas com a mãe – que defendia os interesses das outras filhas – levaram à criação de uma filial na França. A filial tinha sérias regras de atuação. Mas, sem o conhecimento dos pais, Horst tornou a Adidas francesa muito maior que a matriz. Ele também passou a controlar duas marcas paralelas: a Arena, para esportes aquáticos, e a Le Coq Sportif, que era nada menos que concorrente direta da própria Adidas. Foi Horst quem lançou as primeiras roupas esportivas e bolas da Adi, inicialmente produzidas por presidiários da Espanha, durante a ditadura do Generalíssimo Franco (1892-1975).
As idéias empresariais vinham ao lado de acordos políticos costurados por meio de tráfico de influência. O mais importante foi com o então candidato à presidência da Fifa, o brasileiro João Havelange. Na véspera da eleição, Horst conseguiu uma parceria muito rentável ao garantir a Havelange dinheiro para honrar suas promessas de campanha, entre elas o aumento do número de participantes da Copa do Mundo de 16 para 24 e a criação do Mundial de Juniores. Anos depois, Horst fez o mesmo com o espanhol Juan Antonio Samaranch, para ajudar sua eleição como presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI).
Nos anos 1980, também pelas mãos de Horst Dassler, o marketing esportivo ganhou novas dimensões. Horst foi o criador da ISL, uma das primeiras e mais influentes agências de marketing esportivo de todos os tempos. Mas não chegou a se envolver por muito tempo com a empresa, em razão de sua morte prematura, de câncer, aos 51 anos. O livro deixa esse ponto em branco. Ficamos sem saber quem herdou sua parte da ISL. “Os filhos de Horst herdaram seus bens. A filha, Susanne, focou-se na ISL. Mas, em 2002, quando a empresa faliu, sob suspeita de gestão fraudulenta, ela já tinha vendido boa parte de suas cotas”, disse a autora, Barbara Smit, a ÉPOCA.
Nos anos 90, a Adidas e a Puma quase quebraram, principalmente em razão de problemas no mercado americano. A Adidas menosprezou a Nike até ser tarde demais para enfrentá-la de igual para igual. E a Puma decidiu expandir a distribuição de seus produtos em grandes redes americanas de supermercados. Isso acabou depreciando a marca. Para evitar a falência, os controladores tiveram de se desfazer das empresas fundadas por seus antepassados. Com injeção de dinheiro novo, elas conseguiram se recuperar. Mas a Nike ainda hoje permanece isolada no topo da lista das maiores empresas de material esportivo do planeta.
No livro, Smit dedica um espaço especial ao Brasil. Afinal, o carro-chefe das duas marcas sempre foi o futebol. Ela conta três episódios pouco conhecidos aqui. Em 1950, a Inglaterra foi eliminada de maneira humilhante, e um de seus principais jogadores, Stanley Matthews, ficou impressionado com a leveza das chuteiras brasileiras. Elas eram muito diferentes das inglesas, que pareciam botas, com biqueiras e cano alto. Matthews levou alguns pares para casa e criou sua própria linha de produtos, um sucesso até a chegada da Adidas à Inglaterra. Já a Puma fez duas parcerias com jogadores da Seleção brasileira. A primeira foi em 1958, quando o Brasil conquistou seu primeiro título mundial. O acordo levou a Puma a processar a Adidas para que ela parasse de usar o slogan “A marca dos campeões mundiais” em sua propaganda. A segunda foi na Copa de 1970. A Puma fechou parcerias com quase todos os jogadores da Seleção, menos com Pelé. Antes da Copa, a Puma firmou um pacto com a Adidas para não fazer ofertas a Pelé, com o objetivo de manter os preços de patrocínio sob controle. O craque estrilou e acabou acertando com a Puma. A Adidas nunca perdoou a quebra do pacto e tentou se vingar da concorrente em vários momentos. Mas nunca teve Pelé como “garoto-propaganda”.
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG78225-8056-480,00.html
Uma cidadezinha de poucos milhares de habitantes na Baviera, no sul da Alemanha, é o epicentro de uma história fascinante de negócios no mundo dos esportes. Lá nasceu a primeira fábrica alemã de calçados esportivos. Ela deu origem à Adidas e à Puma, frutos do ódio entre dois irmãos, que durou além da morte de ambos. Por quatro décadas, as duas empresas e seus donos dominaram de tal forma o mercado mundial de material esportivo, e depois o de marketing esportivo, que suas histórias se confundem com a do esporte moderno. No livro Invasão de Campo (Ed. Zahar, 362 págs.), recém-lançado no país, a jornalista holandesa Barbara Smit conta em detalhes como as duas marcas conseguiram conquistar o mundo, em meio a disputas e trapaças entre parentes.
O começo é bem conhecido. Nos anos 1920, dois irmãos, Rudolph e Adolph (“Adi”) Dassler, farejaram o crescimento dos esportes na Alemanha e montaram juntos uma indústria no ramo. Graças aos calçados inovadores e a uma rede de contatos com esportistas e técnicos, a empresa cresceu rapidamente. Mas os irmãos começaram a brigar. O conflito se acentuou principalmente no final da Segunda Guerra Mundial. Em 1948, nos escombros da Alemanha, a sociedade se rompeu. Duas novas empresas surgiram em seu lugar, cada uma delas situada de um lado do rio que corta a pequena Herzogenaurach. Naquela época, a matéria-prima era tão rara que, segundo a autora, os Dasslers fuçavam o lixo à procura de couro e pregos.
Desde o começo, a Adidas foi maior que a Puma, em parte pela qualidade de seus tênis (Adi era o sapateiro), em parte pela personalidade dos irmãos. Adi era mais tímido e afável. Dava-se bem com todo mundo. Contava também com o apoio de sua mulher, Käther, para comandar a empresa. Ela era uma espécie de relações-públicas primitiva que recebia os clientes de forma acolhedora. Rudolph, ao contrário, era explosivo. E sua mulher cuidava da casa e dos filhos. Em 1953, Rudolph brigou com o técnico da seleção alemã e a Puma deixou de ser a fornecedora de chuteiras do time. Isso abriu caminho para a Adidas a substituir. Na Copa do Mundo de 1954, o sucesso de suas chuteiras (elas podiam ter as travas trocadas, conforme as condições do campo) selou a mais longa parceria do esporte mundial, que dura até hoje.
A Adidas conquistou seu sucesso mais por relacionamento e acordos secretos que em decorrência de uma estratégia sofisticada de marketing. Para impulsionar os negócios, Adi, no auge do nazismo, forneceu produtos a Jesse Owens, o negro que fez naufragar as ilusões sobre a supremacia ariana que Adolf Hitler queria celebrar nos Jogos de Berlim. Em 1952, fez o mesmo com o fundista tcheco Emil Zatopek, atleta de um país comunista. Nos dois casos, o acordo foi secreto para não irritar dirigentes, nazistas ou comunistas.
O mesmo espírito foi levado ao limite pelo filho de Adi, Horst, o mais influente e polêmico dos Dasslers dos dois lados. Ele começou a trabalhar na empresa ainda jovem para ajudar os pais. Seu lema era “negócios são uma atividade de relacionamento”. Em 1956, com menos de 30 anos, Horst pegou o estoque da Adidas na Austrália e distribuiu aos atletas que iriam competir nos Jogos de Melbourne. Não faturou nem um tostão, mas garantiu que mais de 70% dos medalhistas de ouro aparecessem nas fotos com os tênis das três listras que identificavam a empresa. Com isso, criou uma valiosa rede de contatos, que lhe foi útil até sua morte, em 1987, já que muitos atletas se tornaram depois dirigentes esportivos e contrataram a Adidas como fornecedora.
O sucesso de Horst e as brigas com a mãe – que defendia os interesses das outras filhas – levaram à criação de uma filial na França. A filial tinha sérias regras de atuação. Mas, sem o conhecimento dos pais, Horst tornou a Adidas francesa muito maior que a matriz. Ele também passou a controlar duas marcas paralelas: a Arena, para esportes aquáticos, e a Le Coq Sportif, que era nada menos que concorrente direta da própria Adidas. Foi Horst quem lançou as primeiras roupas esportivas e bolas da Adi, inicialmente produzidas por presidiários da Espanha, durante a ditadura do Generalíssimo Franco (1892-1975).
As idéias empresariais vinham ao lado de acordos políticos costurados por meio de tráfico de influência. O mais importante foi com o então candidato à presidência da Fifa, o brasileiro João Havelange. Na véspera da eleição, Horst conseguiu uma parceria muito rentável ao garantir a Havelange dinheiro para honrar suas promessas de campanha, entre elas o aumento do número de participantes da Copa do Mundo de 16 para 24 e a criação do Mundial de Juniores. Anos depois, Horst fez o mesmo com o espanhol Juan Antonio Samaranch, para ajudar sua eleição como presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI).
Nos anos 1980, também pelas mãos de Horst Dassler, o marketing esportivo ganhou novas dimensões. Horst foi o criador da ISL, uma das primeiras e mais influentes agências de marketing esportivo de todos os tempos. Mas não chegou a se envolver por muito tempo com a empresa, em razão de sua morte prematura, de câncer, aos 51 anos. O livro deixa esse ponto em branco. Ficamos sem saber quem herdou sua parte da ISL. “Os filhos de Horst herdaram seus bens. A filha, Susanne, focou-se na ISL. Mas, em 2002, quando a empresa faliu, sob suspeita de gestão fraudulenta, ela já tinha vendido boa parte de suas cotas”, disse a autora, Barbara Smit, a ÉPOCA.
Nos anos 90, a Adidas e a Puma quase quebraram, principalmente em razão de problemas no mercado americano. A Adidas menosprezou a Nike até ser tarde demais para enfrentá-la de igual para igual. E a Puma decidiu expandir a distribuição de seus produtos em grandes redes americanas de supermercados. Isso acabou depreciando a marca. Para evitar a falência, os controladores tiveram de se desfazer das empresas fundadas por seus antepassados. Com injeção de dinheiro novo, elas conseguiram se recuperar. Mas a Nike ainda hoje permanece isolada no topo da lista das maiores empresas de material esportivo do planeta.
No livro, Smit dedica um espaço especial ao Brasil. Afinal, o carro-chefe das duas marcas sempre foi o futebol. Ela conta três episódios pouco conhecidos aqui. Em 1950, a Inglaterra foi eliminada de maneira humilhante, e um de seus principais jogadores, Stanley Matthews, ficou impressionado com a leveza das chuteiras brasileiras. Elas eram muito diferentes das inglesas, que pareciam botas, com biqueiras e cano alto. Matthews levou alguns pares para casa e criou sua própria linha de produtos, um sucesso até a chegada da Adidas à Inglaterra. Já a Puma fez duas parcerias com jogadores da Seleção brasileira. A primeira foi em 1958, quando o Brasil conquistou seu primeiro título mundial. O acordo levou a Puma a processar a Adidas para que ela parasse de usar o slogan “A marca dos campeões mundiais” em sua propaganda. A segunda foi na Copa de 1970. A Puma fechou parcerias com quase todos os jogadores da Seleção, menos com Pelé. Antes da Copa, a Puma firmou um pacto com a Adidas para não fazer ofertas a Pelé, com o objetivo de manter os preços de patrocínio sob controle. O craque estrilou e acabou acertando com a Puma. A Adidas nunca perdoou a quebra do pacto e tentou se vingar da concorrente em vários momentos. Mas nunca teve Pelé como “garoto-propaganda”.
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG78225-8056-480,00.html