Henshin Opera, uma série de web-novels com tema de tokusatsu

HFA

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Boa noite, pessoal. Tudo bom?

Esse é o primeiro post que faço no fórum.

Como o título do tópico já diz, eu escrevo uma web-novel com tema de tokusatsu, parte de um universo/"franquia" chamado Henshin Opera.

No momento estou escrevendo minha primeira novel, Cidade Amarela. Eu pretendia postar o link de todos os capítulos que já publiquei, mas como não sei se isso viola a regra de auto-promoção, acho melhor deixar só o primeiro prólogo (Eu escrevi três prólogos pra introduzir os personagens centrais: Capítulo 0a, 0b e 0c)

Também tem umas ilustrações relacionadas ao texto, mas vou postar aos poucos.

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Cidade Amarela, capítulo 0a - Douglas


-Aquele é o…? - Douglas se perguntou, ao olhar pela janela do carro. -Não, não pode ser.

-Quem? - Perguntou Seu Souza, o motorista de aplicativo, seus olhos fixos no farol fechado.

-Nada. É que tem um cara no bar ali que me lembra um conhecido.

-Entendi. Quer uma balinha?

Após aceitar a bala, Douglas se sentou na outra ponta do banco acolchoado para observar a outra avenida. Enquanto os carros e motos da sua estavam parados diante do sinal vermelho, os veículos do outro lado corriam em alta velocidade, seus condutores em busca de curtição naquela noite de sábado em Ponta de Faca, a cidade aonde prédios se misturam com ipês amarelos. O rapaz sentiu-se como uma agulha em um palheiro: Dificilmente seu pai lhe acharia.

-Opa, deixa nessa aí! - Douglas foi tirado de dentro dos seus pensamentos enquanto o motorista trocava de estação.

-Então você curte uns “rock”? - Perguntou o Seu Souza enquanto a música do carro tocava.

-Um pouco. - Respondeu Douglas, procurando conter sua animação -Eu saía com uma menina na faculdade que tocava numa banda punk. Acho que ainda toca, ela estudava música.

-E você cursou o quê? - Perguntou o motorista de aplicativo.

O jovem fez um muxoxo.

-Eu larguei. Meu pai me obrigou a fazer um curso que eu não curtia. Não gosto de falar disso.

Constrangimento pairou sobre o carro. Douglas gostava de conversar com qualquer um que o tratasse bem, mas tentava não dar detalhes de certas partes de sua vida; uma balança que ele ainda estava aprendendo a manter. O rapaz tornou a olhar pela janela em que pensara ter visto alguém familiar, enquanto sentia o cheiro do aromatizador de pinheiro se misturar com o perfume amadeirado do motorista. Ao redor do carro, a fumaça do escapamento dos outros veículos era encoberta pelas flores de ipê.

O sinal ainda estava fechado.

-Eu também ouvia muito quando tinha a sua idade. - O condutor decidiu retomar a conversa. - Gostava bastante de RPM, Raul Seixas, Barão Vermelho. Eu era um cara mais “nacional”, eu acho.

O sinal abriu.

Ao passo em que o carro seguiu rumo, os dois começaram a comparar seus gostos musicais; do lado de fora, a música de academias se misturava ao ronco dos motores e sons automotivos; aquele carro era como uma ilha de ordem num oceano de caos.



*​


Douglas desceu algumas ruas antes da sua parada e seguiu a pé. Aquela era uma área abandonada e portanto não havia iluminação, mas isso não incomodou o rapaz, que já aprendera a distinguir as silhuetas das construções sob o luar.

Seu único incômodo era o vento frio que soprava seu cabelo no rosto.

-Pelo menos estou de jaqueta. - Comentou consigo mesmo.

Após alguns minutos de caminhada, chegou a um armazém.

-Senha? - Perguntou um cara por trás da porta.

-Não tenho tempo pra essa babaquice, me deixa entrar!

-Correto. - E abriu a porta.

Douglas quase foi cegado pela luz do local, abastecida por um gerador.

-Sempre esqueço de fechar os olhos antes de entrar. -Comentou com o “porteiro”, que deu risada.

-Consegue achar o seu nome? - Perguntou uma moça sorridente numa mesa ao lado da porta, estendendo uma prancheta e uma caneta.

Após confirmar presença, Douglas olhou ao redor.

Não, ninguém do meu interesse até agora”.

O rapaz cruzou o armazém, pisando em copos descartáveis e bitucas de cigarro.

-Com licença, com licença. - Enquanto se esgueirava pelas pessoas, as vezes entrando no meio de conversas, Douglas não pôde deixar de sentir água na boca com o cheiro de espetinho.

Não, hoje vim como participante.

O rapaz se dirigia ao ponto de maior aglomeração naquele prédio: Dezenas de pessoas reunidas em torno de um grande retângulo traçado com tinta vermelha no chão.

-Douglas, você é o próximo. - Chamou um dos organizadores ao notá-lo na multidão. -Se apronta aí.

O jovem tirou os sapatos e a jaqueta, ficando de camiseta e calça jeans. “Como lutaria na rua”, ele costumava dizer.

Encarou seu adversário.

O rapaz já enfrentara aquele oponente antes: Um homem mais velho, corpulento e de cabelos negros. A barba grande combinada com o rosto fechado lhe davam uma impressão ameaçadora, mas isso não incomodava Douglas; não importava que inimigo fosse, ele via apenas um único rosto lhe encarando.

O de seu pai.

Mal foi anunciado o começo da luta, o homem correu contra Douglas e lhe desferiu um chute contra as costelas. O rapaz foi mais rápido e agarrou a perna do adversário. Se as regras permitissem, ele poderia dar um chute no saco do outro homem e encerrar a luta naquele momento. Como não era o caso, ele usou o outro braço para desferir um sabre de mão contra a lateral do joelho. Seu oponente rolou ao cair, se levantando com um pouco de dificuldade.

Imaginar que aquele foi o joelho de seu pai deu a Douglas muito prazer.

A plateia fez sons, mas Douglas não prestou atenção se eram ovações ou vaias.

O estilo de luta que seu pai o forçara a aprender era primariamente defensivo; justamente por isso Douglas partiu para o ataque, desferindo um soco contra a boca do estômago, mas o adversário agarrou seu braço e antes que Douglas reagisse torcendo o braço que o agarrou, deu uma cabeçada contra a testa do rapaz, um flash surgindo em sua vista e mais outro quando caiu de cabeça no chão.

Vendo que Douglas ainda estava consciente, seu inimigo começou a pisoteá-lo.

Primeira leva de pisadas: É como se uma marreta se chocasse contra sua cabeça, novos flashes surgiram diante de seus olhos e o jovem quase perdeu os sentidos. Quase. Aquilo fez Douglas se lembrar da vez em que seu pai lhe deu uma surra por ousar ter sua própria preferência de sabor de sorvete.

Segunda leva: Pisadas nas costelas. Cada impacto dificultava um pouco mais a capacidade de Douglas respirar.

-Pede água, retardado! - Gritou alguém da plateia, mas Douglas não ouviu. Lembrou-se de quando disse que gostava mais de história do que de biologia e então foi posto em jejum forçado. Quando foi pego comendo escondido, houve outro espancamento.

Terceira leva: Junto às pisadas, somaram-se pontapés, um deles atingindo a região do rim; Douglas também foi chutado na boca.

Outro flashback: Douglas havia chegado em casa oito minutos depois do estipulado. A resposta de seu pai? Força-lo a passar a noite acordado em pé; sempre que fechava os olhos por mais de cinco segundos seu pai lhe dava uma bofetada.

Toda a infância e a adolescência de Douglas foram assim, tudo porque ele era supostamente filho de um “adultério”. E ele ainda deveria se sentir grato por seu “pai” “cuidar” dele mesmo sem obrigação!

A mágoa, raiva e frustração trouxeram Douglas de volta ao presente. Ele rolou para o lado e imediatamente se ergueu dando um soco na boca do estômago de seu oponente, em seguida deu um tegatana em seu pomo-de-adão. A plateia vibrou. Douglas aproveitou o momento para dar uma rasteira em seu oponente, que ao cair teve sua cabeça agarrada pelo rapaz, sendo usada de “martelo” contra o chão várias e várias vezes. Cada impacto da cabeça de seu adversário (ou de seu pai, como Douglas imaginava) enchia o rapaz de um prazer doentio.

Douglas estava tão absorto em seu êxtase que nem percebeu que seu concorrente havia pedido água, os dois tendo que ser separados pelas outras pessoas no local.

Ainda assim, Douglas foi declarado vencedor.​


*​

Na manhã seguinte, o rapaz acordou com uma tremenda dor de cabeça além de vários hematomas pelo corpo. Ele perdeu na quarta luta, mas tudo bem: Douglas não lutava pelo prêmio, e sim para melhorar suas habilidades, por menor que fosse o progresso.

Um cheiro delicioso de ovo frito vinha da cozinha.

Se dirigiu até lá e encontrou Maurício, que havia preparado o café-da-manhã: Sanduíche de ovo com queijo derretido e iogurte, além de tapioca.

-Bom dia, Douglas. - Disse o outro rapaz. Assim como o primeiro oponente da noite anterior, Maurício também era mais velho que Douglas; sua pele branca e cabelo crespo formavam um contraste curioso. - Imaginei que acordaria a esta hora. - Sua fala era serena.

-Bom dia. - Douglas imediatamente se sentou e abocanhou o sanduíche. Estava faminto.

Então, enquanto tragava o iogurte para ajudar a descer, Douglas se lembrou de algo que o fez saltar da cadeira com um grito: Ele morava sozinho.

-O que você está fazendo aqui?!

-Bom te ver também.

-Como entrou no meu apartamento?!

-Sua janela estava aberta.

-Este é o terceiro andar!

Maurício ficou sem resposta.

-Está bem, respondendo à sua primeira pergunta. - Maurício sentou-se à mesa. - Como já deve imaginar, eu vim a mando de seu pai.

Douglas nada disse. Apenas sentou-se novamente, encarando Maurício. Por que diabos ele estava usando um terno em plena manhã de domingo? Não, aquilo não importava. Douglas devia ter imaginado que era só uma questão de tempo até seu pai encontrá-lo.

-O que ele quer? - O invadido tentou assumir uma postura mais austera.

-Nós estamos trabalhando em um novo projeto e você é uma peça central dele. Eu entendo que Igor – esse era o nome do pai de Douglas – lhe foi bastante desagradável, mas ele está disposto a… se reconciliar se você aceitar trabalhar pra ele.

-O quê?! - Douglas respirou fundo – Eu sei que você se dá muito bem com meu pai, mas eu não quero nem chegar perto. A minha vida inteira aquele doente me tratou como uma marionete defeituosa por causa de uma crise de ciúmes sem-pé-nem-cabeça e agora ele ainda quer que eu trabalhe pra ele?! Ah, puta que pariu, viu!

-Mas nós já trabalhamos juntos antes, lembra?

-Isso foi no passado!

-Então sua resposta é “não”?

-Quê que cê acha?!

-Muito bem. - Maurício se ergueu. - Nós já preparamos uma resposta caso você recusasse.

O “visitante” tirou um envelope de dentro do terno e o colocou na mesa.

-Ei, o que você está fazendo?! - Perguntou Douglas ao ver que Maurício se dirigia à janela.

-Já cumpri minha tarefa. - O outro respondeu com um sorriso afável, o vento balançando o cabelo. Então saltou.

Douglas correu para a janela, mas não viu nada quando olhou pra baixo. Virou-se então para o envelope sobre a mesa. Parecia vazio, embora pesasse nas mãos.

-Mas o que diabos tem aqui dentro? - Douglas pensou em jogar o envelope no lixo, mas sua curiosidade foi mais forte que seu desdém.



O rapaz teve uma surpresa ao abrir o envelope: Não havia papel algum lá dentro; em vez disso, uma fumaça arroxeada saiu dele e se concentrou em um ponto específico da cozinha, a poucos metros do chão.

A fumaça concentrada rapidamente solidificou, revelando a verdadeira forma do conteúdo do envelope: Um Hastur.

Douglas nunca viu um Hastur como aquele antes: Uma esfera encouraçada pouco menor que um armário, de coloração escura, difícil de dizer se era roxa ou preta. Era coberta por espinhos, lembrando um ouriço-do-mar, mas com um grande olho humano no centro. Aquele olho inexpressivo combinado com seu silêncio absoluto transmitiam um ar de indiferença, como se o ser não se preocupasse com o mundo ao seu redor.

No entanto, o que realmente incomodou Douglas foi o cheiro: Um odor fresco, úmido e salgado como o das águas do mar. Embora fisicamente agradável, existia uma verdade inconveniente por trás daquele cheiro: Era um indício de que aquele Hastur não foi criado por necromancia; estava vivo, ou pelo menos aparentava.

A criatura fechou o olho e voou contra Douglas, que se jogou no chão bem a tempo.

O impacto do monstro esmagou a geladeira que Douglas comprara de segunda mão.

-NÃO! - Gritou o jovem. Então, ao se levantar, disse: -Ah, você me paga!

Com essas palavras, Douglas ativou o poder místico que existia dentro de si: A energia se expandiu a partir do centro de sua existência, que muitos chamariam de “alma” e foi se espalhando pelo seu corpo físico, envolvendo-o por uma substância misteriosa que assumia a forma de um traje de batalha, uma armadura negra que, apesar das propriedades místicas, tinha uma aparência tecnológica. A temperatura da cozinha caiu em alguns graus enquanto o tórax e as extremidades do corpo se tingiam de azul.

Pequenos chifres azuis brotaram da testa do capacete enquanto uma viseira da mesma cor se formou em zigue-zague no rosto. Ao terminar de se transmutar na forma conhecida como “Semreh”, a temperatura voltou ao normal.

O processo aconteceu na velocidade de uma respiração.

Semreh avançou contra a criatura para socar-lhe o olho, que se fechou imediatamente. Mesmo transformado, o impacto com aquela carapaça lisa machucou a mão de Semreh, como se tivesse se chocado com a blindagem de um carro.

O ouriço flutuante abriu o olho, que começou a concentrar energia.

-Mas que merda tá acontecendo aqui?! - Era o síndico, que foi imediatamente carbonizado pelo disparo de energia ao arrombar a porta, espalhando aquele cheiro denso de couro queimado. Nem deu tempo de gritar.

Além de transformar o síndico em carvão, o golpe do monstro também abriu buracos pelo prédio. Moradores se aproximavam para ver o que estava acontecendo, fazendo um burburinho.

Droga, o que é que eu ainda tô fazendo aqui?”, pensou Semreh. O guerreiro azul e negro então mergulhou pela janela, pouco antes de ser atingido por outro feixe de energia, que perfurou construções vizinhas.

Como Semreh tinha capacidades físicas superiores a de um ser humano, o impacto da queda não o feriu, apesar da leve dor.

O Hastur saiu quebrando a parede e, ao avistar Semreh, se disparou como uma bala de canhão, mas Semreh desviou a tempo.

Curiosos pararam pra filmar e fotografar aquela estranha cena que desenrolava diante de seus olhos.

-Saiam daqui, seus merdas! - Gritou Semreh – Não tão vendo que é perigoso?!

A esfera encouraçada se desprendeu do chão, pronta para mais um round.

Semreh decidiu então energizar seu punho; uma chama azul e fria envolveu a mão do guerreiro, pressionando-a, então desferiu outro soco contra a criatura.

Assim como antes, o monstro fechou o olho, porém dessa vez o punho de Semreh quebrou a armadura do Hastur, atingindo o globo ocular.

A abominação ergueu-se mais alto no ar, guinchando de dor.

-Como essa coisa grita sem ter boca? - Isso incomodava Semreh mais do que o próprio barulho.

O monstro decidiu disparar todos os seus espinhos como mísseis, e Semreh sabia que se desviasse poderiam atingir um inocente.

Sem pensar duas vezes, ele incendiou ambos os seus braços com aquele fogo gélido, e começou a partir todos os espinhos que vinham em sua direção como se fossem gravetos.

Os disparos vinham de todas as direções. Semreh acertava o maior número de espinhos possível com um único golpe; direita, esquerda, frente e costas. As vezes Semreh permitia um projétil o acertar de raspão para que tivesse tempo de se defender de um ataque mais certeiro. Como a transformação fortalecia seu corpo, o esforço desses movimentos nem incomodava as feridas obtidas na noite anterior.

Ao terminar, Semreh viu que o que antes era uma bola de espinhos se tornou uma superfície lisa como mármore.

Perfeito”.

Semreh saltou para alcançar o monstro e, ainda com o braço energizado, também partiu-o ao meio.

Ao se partir, o Hastur desfez-se numa pequena cortina de fumaça roxa, que logo se dissipou, junto com o cheiro do oceano.

Assim que destruiu aquele ouriço-do-mar gigante, Semreh correu para uma viela e se destransformou de volta em Douglas. O rapaz sentou no chão para descansar, respirando fundo. Embora o combate em si mal o tenha ferido, usar a chama azul era muito desgastante para as partes do corpo energizadas; além disso, ele ainda não se recuperou totalmente das lutas na noite anterior, o que exigiria muito mais repouso.

Enquanto descansava ali mesmo, o jovem lutador se deu conta de que não dava mais pra se esconder: Não só seu pai tinha os recursos para encontrá-lo, como agora a criação de Hasturs fora aperfeiçoada.

De um jeito ou de outro, o pai de Douglas fez com que ele tivesse que buscá-lo.

Douglas gritou, ignorando qualquer desconforto físico que estivesse sentindo. Ódio, rancor e uma pitada de fatalismo temperavam aquela entonação, que ecoou pela cidade até alcançar os ouvidos do pai do rapaz.

Igor sorriu.​
 

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