Como o último Focus retrata o estrago do cenário econômico no Brasil
No boletim divulgado pelo BC, as projeções pioraram para indicadores como juros, câmbio e inflação. Mas será que a deterioração já acabou?
A última edição do
Relatório Focus, divulgado nesta terça-feira (23/4) pelo
Banco Central (BC), pode ser visto como uma testemunha da deterioração do cenário econômico no Brasil, registrada de forma mais intensa – e especialmente veloz – nas últimas três semanas.
O boletim traz projeções para diversos indicadores econômicos, feitas por cerca de 150 agentes do mercado – entre economistas e analistas. Na
última versão da pesquisa realizada pelo BC, três dos quatro principais itens avaliados apresentaram resultados negativos simultaneamente, o que é incomum.
Um deles foi a taxa básica de juros do país, a
Selic. O mercado, agora, estima que ela chegará a 9,50% no fim deste ano. Na semana anterior, esse número era de 9,13%. O detalhe é que a previsão vinha sendo mantida em 9% nas 16 semanas anteriores, desde 22 de dezembro. Ou seja, a elevação da Selic quebrou uma expectativa que vinha sendo mantida havia quatro meses. Para 2025, o número igualmente subiu, o que não acontecia desde 1º de dezembro. Ele passou de 8,50% para 9%.
A projeção do
dólar também embicou para cima – e isso para os próximos três anos. Os especialistas consultados pelo BC acreditam que a moeda americana vai fechar em R$ 5,00 em 2024 (na semana anterior essa estimativa era de R$ 4,97), em R$ 5,05 em 2025 (antes estava em R$ 5,00) e em R$ 5,10 em 2026 (contra R$ 5,03).
Por fim, a perspectiva para a
inflação também sofreu um baque, ainda que pequeno até o momento. De qualquer forma, ela reverteu uma tendência de queda presente nos últimos boletins e subiu. Isso tanto para 2024, quando a projeção do IPCA passou de 3,71% para 3,73%, como para 2025, com estimativa de alta de 3,56% para 3,60%.
Razões da piora
Emerson Marçal, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (
FGV EESP), observa que dois fatores tiveram especial peso na deterioração desses indicadores. São eles a perspectiva de manutenção dos juros altos por mais tempo nos Estados Unidos e a questão fiscal no Brasil.
No primeiro caso, os juros elevados tornam mais atrativos investimentos nos títulos do Tesouro americano, considerados os ativos mais seguros do mundo, o que drena recursos de outras aplicações, como as ações negociadas em Bolsa, principalmente em países emergentes, caso do Brasil.
Gustavo Bertotti, da Messem Investimentos, economista-chefe da Messem Investimentos, observa que, “não sem grande excesso de otimismo”, o mercado acreditava piamente que as taxas nos EUA, hoje fixadas no intervalo entre 5,25% e 5,50%, iriam começar a cair em março. “Agora, essa previsão já passou para setembro e, em alguns casos, foi estendida para dezembro”, diz. “Ou seja, o fato é que o quadro atual não vai mudar tão cedo.”
Turbulência fiscal
A turbulência fiscal encorpou na semana passada, quando o governo federal anunciou a revisão da meta para os anos de 2025 e 2026. Para o próximo ano, em vez de superávit primário (o saldo positivo das contas públicas, antes do pagamento de juros) de 0,5% do Produto Interno Bruto (
PIB), o alvo passou a ser um empate de zero a zero entre receitas e despesas, ou mesmo, eventual déficit de 0,25%. Para 2026, o superávit inicialmente projetado para 1% agora encolheu para 0,25% do PIB.
Bertotti considera, porém, que não foi só a troca de meta que causou rebuliço entre os agentes econômicos, o que ajudou na deterioração do cenário. Para ele, fatos como a intervenção do governo na Petrobras, na discussão sobre o pagamento de dividendos extraordinários a acionistas, e tentativa de influenciar a sucessão do novo presidente da Vale, também contribuíram para a mudança de humor do mercado. “Tudo isso atua para mudar o balanço de riscos e faz a percepção de investidores e empresários piorar”, diz.
Guerra e sinais do BC
Os economistas acrescentam que, somado a esses fatores – e embora por enquanto com menor peso – o agravamento do conflito no Oriente Médio, com o ataque do Irã a Israel, colaborou para entornar o caldo do cenário econômico mundial e teve impacto no Brasil.
Além disso, diz Fabrício Silvestre, analista de renda fixa da Levante Inside, o Banco Central sinalizou na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), de março, que poderia reduzir o ritmo de queda da Selic. No documento, havia a previsão de apenas mais um corte de 0,5 ponto percentual da taxa, hoje em 10,75% ao ano, e isso se mantidas as condições de temperatura e pressão da economia global e interna. Para Silvestre, as comunicações do presidente do BC, Roberto Campos Neto, também seguiram a mesma toada. “Isso alterou a expectativa dos agentes”, afirma o analista.
O que pode acontecer
E os indicadores econômicos podem piorar nas próximas edições do Focus? Para Marçal, da FGV EESP, a resposta é sim, mas contando que surja uma nova surpresa negativa nos EUA e que o governo brasileiro não cumpra o que prometeu. “O país não pode deixar de obter superávit primário de maneira impune e indefinidamente”, diz. “Isso tem custos de inflação e crescimento.”
No que diz respeito à taxa Selic, notam os especialistas, as projeção do Focus têm consideráveis chances de deteriorar. Isso porque parte do mercado já trabalha com uma previsão de 10% para o fim deste ano.
Como ressalva, acrescente-se que, no boletim divulgado nesta segunda, entre os quatro principais indicadores econômicos avaliados pelos analistas, apenas a projeção do PIB para 2024 pode ser considerada positiva. Ela aumentou pela décima vez seguida, passando de 1,95% para 2,02%.
Além disso, registraram uma boa evolução as previsões para a Balança Comercial (exportações menos importações) e o Investimento Direto no País. Em contrapartida, houve piora na previsão da dívida líquida do setor público. Ela registrou leve alta, passando de 63,77% para 63,85%.
No boletim divulgado pelo BC, as projeções pioraram para indicadores como juros, câmbio e inflação. Mas será que a deterioração já acabou?
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