Dois Minutos de Leitura

Recebi há 8 anos atrás, não custa compartilhar:

Como estagiário, aprendi milhões de coisas e fui muito bem sucedido
nas minhas funções. Juro que não entendo o porquê de me demitirem...
Eu tinha várias funções que fazia com excelência, entre elas:
1. Tirar xerox. 3.1 segundos por página.
2. Passar café.
3. Comprar cigarro e pão. 1 minuto e 27 segundos. Ida e volta.
4. Fazer jogos na Mega-Sena, Dupla-Sena, Lotofácil, Loteria Esportiva...
Eu era muito bom. Mesmo. Fazia tudo certinho, até que peguei uma certa
confiança com o pessoal e resolvi fazer uma brincadeirinha inocente.
É impressionante o nível de stress em um ambiente de trabalho.
Quis dar uma amenizada na galera, deixar o povo feliz e fui
recompensado com uma bela de uma demissão por justa causa. Puta
sacanagem!
Vou contar toda minha rotina desse dia catastrófico.
Era quinta-feira, 26 de março, quando cheguei ao trabalho.
Nesse dia, passei na padaria no meio do caminho. Demonstrando muita
proatividade, comprei pão e 3 Marlboro. Já queria ter na mão sem nem
mesmo me pedirem. Quando abri a agência (sim, me deixam com a chave
porque o pessoal só começa a chegar lá pelas 11h), já vi uma montanha
de folhas para eu xerocar na minha mesa. Xeroquei tudo, fiz café e
deixei tudo nos trinques (minha mãe que usa essa gíria rs).
Como tinha saído um pouco mais cedo no outro dia, deixaram um recado
na minha mesa: "pegar o resultado da mega-sena na lotérica".
Como tinha adiantado tudo, fui buscar o resultado. No meio do caminho,
tive a ideia mais genial da minha vida e, consequentemente, a mais
estúpida.
Peguei o resultado do jogo: 01/12/14/16/ 37/45. E o que fiz?
Malandro que sou, peguei uns trocados e fiz uma aposta igual a essa.
Joguei nos mesmos números, porque, na minha cabeça claro, minha
brilhante ideia renderia boas risadas. Levei os 2 papeizinhos (o
resultado do sorteio e minha aposta) para a agência novamente.
Ainda ninguém tinha dado as caras. Como sabia onde o pessoal guardava
os papeis das apostas, coloquei o jogo que fiz no meio do bolinho e
deixei o papel do resultado à parte.
O pessoal foi chegando e quase ninguém deu bola pros jogos. Da minha
mesa, eu ficava observando tudo, até que um cara, o Daniel, começou a
conferir.
Como eu realmente queria deixar o cara feliz, coloquei a aposta que
fiz naquele dia por último do bolinho, que deveria ter umas 40
apostas.
Coitado, a cada volante que ele passava, eu notava a cara de desolação
dele. Foi quando ele chegou ao último papel.
Já quase dormindo em cima do papel,vi ele riscando 1, 2, 3, 4, 5, 6
números. Ele deu um pulo e conferiu de novo.
Esfregou os olhos e conferiu de novo, hahahaha. Tava ridículo, mas eu
tava me divertindo.
Deu um toque no cara do lado, o Rogério, pra conferir também.
Ele olhou, conferiu e gritou:
-"PUTA QUE PARRRRRRRRIUUUUUUUU UU, TAMO RICO, PORRA". Subiu na mesa,
abaixou as calças e começou a fazer girocóptero com o pau.

Óbvio que isso gerou um burburinho em toda a agência e todo mundo veio
ver o que estava acontecendo.
Uns 20 caras faziam esse esquema de apostar conjuntamente. 8 deles,
logo que souberam, não hesitaram: correram para o chefe e mandaram ele
tomar bem no olho do cu e enfiar todas as planilhas do Excel na buceta
da arrombada da mulher dele.

No meu canto, eu ria que nem um filho da puta. Todos parabenizando os
ganhadores (leia-se: falsidade reinando, quero um pouco do seu
dinheiro), com uns correndo pelados pela agência e outros sendo
levados pela ambulância para o hospital devido às fortes dores no
coração que sentiram com a notícia.
Como eu não conseguia parar de rir, uma vaquinha veio perguntar do que
eu ria tanto. Eu disse:
-"puta merda, esse jogo que ele conferiu eu fiz hoje de manhã".
A vaca me fuzilou com os olhos e gritou que nem uma puta louca:
-"PAREEEEEEEEEEM TUDO, ESSE JOGO FOI UMA MENTIRA. UMA BRINCADEIRA DE
MAU GOSTO DO ESTAGIÁÁÁÁÁÁÁRIO"
Todos realmente pararam olhando pra ela. Alguns com cara de "quê?" e
outros com cara de "ela tá brincando".
O cara que tava no bilhete na mão, cujo nome desconheço, olhou o papel
e viu que a data do jogo era de 27/03.
O silêncio tava absurdo e só eu continuava rindo. Ele só disse bem baixo:
- É...é de hoje.
Nesse momento, parei de rir, porque as expressões de felicidade
mudaram para expressões de 'vou te matar'.
Corri... corri tanto que nem quando eu estive com a maior caganeira do
mundo eu consegui chegar tão rápido ao banheiro.
Me tranquei por lá ao som de "estagiário filho da puta", "vou te
matar" e "vou comer teu cu aqui mesmo". Essa última foi do peladão !
Eu realmente tinha conseguido o feito de deixar aquelas pessoas com
corações vazios, cheios de nada, se sentirem feliz uma vez na vida.
Deveriam me dar uma medalha por eu conseguir aquele feito inédito. Mas
não... só tentaram me linxar e colocaram um carimbo gigante na minha
carteira de trabalho de demissão por justa causa. Belos companheiros!
Pelo menos levei mais 8 neguinho comigo! Quem manda serem mal educados
com o chefe. Eu não tive culpa alguma na demissão deles.
Pena que agora eles me juraram de morte... agora tô rindo de nervoso.
Falei aqui em casa que fui demitido por corte de verba (consegui
justificar dizendo que mandaram mais 8 embora, rs) e que as ligações
que tenho recebido são meus amigos da faculdade passando trote.
Eu supero isso vivão e vivendo, tenho certeza.
É amigos, descobri com isso que não se pode brincar em serviço mesmo...

--
"A preguiça é a mãe do progresso; se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda!"
 
Texto bacana, vale a reflexão.

As redes sociais estão estragando nossa memória

Documentar nossas vidas na internet pode diminuir a probabilidade de reter alguns desses momentos como uma memória significativa.



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De algum jeito, sempre que me pego passando distraída pelo meu feed do Instagram, acabo quase no final, obcecada pelas primeiras fotos que postei em junho de 2016. Não sei se era a música – Rihanna, Chance, Drake e Kanye lançaram discos que mudaram a minha vida na época – ou a liberdade que vinha de perambular por toda Europa naqueles três meses, mas esse verão é o último que tenho claro nas minhas memórias.

Postei muitas fotos mais editadas e de qualidade maior nesses três anos, mas essas fotos mais velhas sempre me fazem parar, me banhando com ondas de nostalgia. Para os meus seguidores, aquele verão foi resumido em seis fileiras de três quadrados perfeitamente divididos. Mas quando analiso essas postagens, percebo que os momentos de que me lembro mais fortemente são as noites em praias secretas que nunca pensei em documentar nas redes sociais – eu estava ocupada demais desfrutando de tudo aquilo.

Aquele mesmo verão acabou sendo um momento fundamental para as redes sociais. Com os escândalos de desinformação russa e privacidade de dados ainda abaixo do radar, o Facebook era uma plataforma importante para se manter informado nos meses antes da eleição presidencial de 2016 nos EUA. As atualizações frenéticas minuto a minuto no Twitter se alinhavam perfeitamente com os ciclos rápidos de notícia, enquanto as pessoas debatiam liberdade de expressão e seu significado para a política contemporânea. E o Snapchat, a estrela em ascensão das redes sociais, tinha esnobado uma oferta de $30 bilhões do Google enquanto se preparava para abrir suas ações em 2017.

No verão de 2016, tínhamos menos razões aparentes para não receber as redes sociais nas nossas vidas de braços abertos. Mas como esse abraço afetaria nossas memórias, um processo cognitivo central, seria muito maior do que poderíamos prever.


Criar uma memória começa com a percepção: Seu cérebro registra sensações visuais, auditivas, olfativas e táteis – como o cheio de sorvete de menta ou o perfume de magnólias nas noites de verão – e as manda para o hipocampo para determinar se elas serão armazenadas como memórias de longo prazo. Fatores como familiaridade, repetição e excitação emocional (um estado de atividade fisiológica aumentada) ajudam a determinar que experiências cruzam a fronteira entre memória de curto e longo prazo. Como o neurocientista James L. McGaugh apontou em seu trabalho de 2013 “Making Lasting Memories: Remembering the Significant”, excitação emocional aumentada durante uma experiência na verdade estimula a amígdala (a parte do cérebro responsável pelas emoções, instinto de sobrevivência e memória) para liberar hormônios de stress – químicos secretados em resposta a ocasiões estressantes ou excitantes – tornando mais provável que essas experiências sejam codificadas como memórias de longo prazo.

A pesquisa de McGaugh, publicada em 2013, parece muito mais relevante agora: O fluxo inextrincável da tecnologia digital nas nossas vidas tornou mais difícil que nunca estar emocionalmente conectado com nossas experiências. Pensando agora, 2016 foi um ponto crucial, uma época em que muitas empresas de tecnologia encaravam uma oportunidade de aumentar a influência das redes sociais no nosso cotidiano. As plataformas que não tinham essa visão, como Vine e Tumblr, recederam para o fundo saturado da tecnologia, enquanto aquelas que anteciparam aquele momento acabariam dominando a paisagem. O Instagram, a plataforma de compartilhamento de fotos comprada pelo Facebook em 2012, foi a maior prova disso.


Apesar de o Snapchat ter tido sucesso no começo com suas mensagens que se apagavam automaticamente, seu formato “Stories” – que permitia aos usuários postar fotos e vídeos que duravam 24 horas no feed antes de desaparecer – mudou o jogo quando foi lançado em 2013. Três anos depois, o Instagram basicamente roubou a função para sua própria plataforma. Apesar de muita gente – incluindo eu – ter ficado cética no começo, as Stories do Instagram rapidamente dominaram tudo. Na verdade, depois que o Stories apareceu, a plataforma viu sua base mensal de usuários ativos pular de 300 milhões de usuários para 700 milhões no abril seguinte, efetivamente dobrando as taxas de crescimento anual de usuários em apenas oito meses.

O formato Stories quebrou a tendência de imagens estáticas pensadas nos mínimos detalhes típicas do Instagram com sequências elusivas de 24 horas cheias de vislumbres em “tempo real” do dia a dia, dando ao aplicativo um tom mais casual. Marcas e consumidores se beneficiaram da opção e continuam a usá-la até hoje. O lado negativo disso é evidente: Agora há uma pressão para postar com mais frequência e durante nossas experiências mais excitantes – interrompendo o momento para fazer uma story para nossos seguidores.

A primeira vez que me peguei fazendo isso foi na Véspera de Ano Novo de 2016. Eu estava numa festa num armazém com amigos em LA quando a contagem regressiva começou; estávamos aproveitando a companhia uns dos outros e felizes de ter chegado em algum lugar antes da meia-noite. Quando eu estava pegando meu celular para registrar a contagem, mudei de ideia no último minuto e guardei o celular, não querendo deixar aquele momento. Mas quando virei para o meu namorado, ele estava filmando com seu celular, gritando “Três, dois, um!” para a tela. Ele me beijou enquanto todo mundo comemorava, mas lembro de me sentir estranhamente desconectada dele. Fiquei pensando se ele tinha curtido o momento tanto quanto eu.


Julia Soares e Benjamin Storm, pesquisadores da Universidade da Califórnia, Santa Cruz, estudam a influência da tecnologia digital na memória há anos. Uma pesquisa que eles lançaram em março passado sugere que, quando tiram fotos com a câmera do celular, as pessoas se desligam do momento para capturar a experiência, e portanto armazenam a memória menos profundamente do que fariam de outro jeito. O trabalho vanguardista deles, “Forget in a Flash: A Further Investigation of the Photo-Taking Impairment Effect”, comparava a memória dos participantes em três cenários: depois de pura observação, documentação no aplicativo de câmera, e documentação sob uma condição quando a foto não seria salva, como no Snapchat. Pesquisas anteriores já tinham estabelecido que uma fonte de memória confiável, como uma câmera, podia piorar a memória das pessoas – um fenômeno batizado de “efeito de enfraquecimento por tirada de foto”. Mas os pesquisadores tinham atribuído o fenômeno ao efeito de “descarregamento cognitivo” (quando as pessoas armazenam suas memórias numa fonte externa em vez de as reter pessoalmente), mas Soares e sua equipe levarem essas descobertas além, testando se o descarregamento cognitivo era a única causa do enfraquecimento de memória ao fazer fotos. Surpreendentemente, não era.

“Nosso estudo mostrou evidência de que o efeito de enfraquecimento por tirada de foto não parece depender de se a foto é salva ou não, de alguém poder dizer para a câmera 'Guarde essa informação pra mim, vou usar mais tarde'”, Soares me explicou por telefone. “Caso contrário, o efeito desapareceria quando elas soubessem que a câmera não é um parceiro confiável.”

Ela propôs uma nova hipótese de “desligamento de atenção”, que sugere que se envolver com uma câmera ou uma câmera de celular tira a pessoa do momento presente o suficiente para prejudicar a formação de memórias, mesmo depois que ela guarda a câmera. De maneira interessante, quando usando o Snapchat, os participantes tinham a memória ainda mais prejudicada do que apenas tirando a foto, provavelmente por distrações maiores como filtros, efeitos, ou acrescentar texto na interface do aplicativo. Com esse novo entendimento e as descobertas anteriores de McGaugh sobre a ligação entre excitação emocional e memória, de repente fica claro como acrescentar Stories a uma plataforma como Instagram pode impactar profundamente a capacidade de toda uma geração de se manter presente e engajada – e, por sua vez, afetar a formação de memórias pessoais também. (Quando pedi comentários ao Instagram e Snapchat sobre o estudo, o Snapchat não quis comentar, em vez disso oferecendo discutir os valores centrais de seu produto através de um porta-voz. Ele citou como muitas facetas do aplicativo – como não ter likes públicos e comentários, por exemplo – são pensadas para ajudar os usuários a se sentir mais confortáveis se expressando verdadeiramente e vivendo o momento. Até o momento da publicação, o Instagram não respondeu nossos pedidos de comentários.)

“Você está se afastando do momento presente, e é isso que causa esse desligamento. Você está literalmente colocando uma tela entre você e o evento que está tentando registrar. E parece que leva um tempo para se recuperar desse desligamento de atenção, para voltar ao modo 'OK, estou vivendo na experiência presente. Estou presente'”, Soares elaborou.


Enquanto “estar presente” se torna cada vez mais parte da nossa conversa cercando atenção plena, ser realmente capaz de ficar desconectado das redes sociais parece cada vez mais difícil com cada ano que passa. O ritmo rápido do universo digital não permite isso, nem a pressão para manter as atualizações em dia. E enquanto sentimos o problema num nível voluntário de consumidor, ele é exacerbado quando sentimos que temos que postar contra nossa vontade. Me vejo constantemente atualizando o Twitter para ver as últimas notícias, ou assegurar as pessoas que estou viva e bem no Story do Instagram se passo muito tempo sem postar. Sentir a pressão de ter que produzir conteúdo constantemente para compartilhar com os outros muitas vezes desvaloriza o tempo que tenho para mim mesma – me distraído o suficiente para não conseguir apreciar emocionalmente cada momento na sua totalidade.

A editora de redes sociais da revista Paper, Peyton Dix, compartilha esse sentimento. Quando não está trabalhando, ela tenta se desconectar, mas a natureza social do compartilhamento dificulta isso. “Tenho que colocar no modo avião, com um livro nas mãos. Tipo, não olhe o maldito celular”, ela me disse. “Mas também, sendo franca, como editora de redes sociais isso é impossível. Se algo acontece, tenho que estar na linha de frente dessa publicação. Para garantir que estamos sendo imediatamente responsivos para qualquer crítica em potencial [ou feedback negativo].”


Enquanto “estar presente” se torna cada vez mais parte da nossa conversa cercando atenção plena, ser realmente capaz de ficar desconectado das redes sociais parece cada vez mais difícil com cada ano que passa. O ritmo rápido do universo digital não permite isso, nem a pressão para manter as atualizações em dia. E enquanto sentimos o problema num nível voluntário de consumidor, ele é exacerbado quando sentimos que temos que postar contra nossa vontade.

Dix adora seu trabalho, mas conhece os efeitos negativos que as redes sociais podem ter na psique e autoestima de uma pessoa. Em sua primeira Semana da Moda de Nova York, Dix sofreu para conciliar suas obrigações pessoais – que incluíam cuidar de uma colega de apartamento depois de um acidente – com suas obrigações profissionais de tuitar os desfiles ao vivo e orquestrar a abordagem deles nas redes sociais que interrompiam constantemente o que ela precisava fazer no presente.

“Lembro de estar esperando minha amiga no hospital, chorando no computador enquanto estava no celular, sentindo tipo 'Posso morrer agora. É demais pra mim'”, lembra Dix. “Aprendi com essa experiência, fiquei muito emocionalmente envolvida e me sentindo drenada. Não vai acontecer de novo.”

Interromper momentos está, no final das contas, no cerne do efeito de diminuição da memória que acompanha o uso das redes sociais. Mas a intenção por trás do motivo para interrompemos certos momentos pode realmente alterar se a memória é ou não armazenada no nosso cérebro. Pesquisas anteriores mostraram que volição – o poder de usar a vontade de alguém, como para tirar conscientemente uma foto para lembrar o momento – na verdade mostra um benefício na retenção de memória. Apesar de a pesquisa ainda estar num estágio preliminar, Soares me disse que “há razões para esperar que quanto mais intenção a pessoa coloca em cada foto, menos chance ela tem de experimentar o efeito de diminuição de memória. Quando alguém está tirando fotos porque precisa postá-las no Facebook, há pesquisas mostrando que você vai lembrar do evento como menos positivo do que se estiver tirando fotos com intenção real”.


O fotógrafo profissional Aaron Ricketts se orgulha de sua capacidade de colocar intenção na frente de seu trabalho. Ele visa capturar movimentos dinâmicos e momentos que chamam a atenção – como sua famosa foto do primeiro pedido de casamento de Offset para Cardi B em outubro de 2017. Como alguém cujas fotos podem garantir ou cancelar com um trabalho, Ricketts enfatiza como, quando capturando um momento, ele está superconsciente da situação e seus detalhes, comparado com um observador comum, muitas vezes entrando num estado emocionalmente aumentado para facilitar lembrar esses momentos.

“Quando fotografo, não estou apenas tirando fotos das pessoas. Geralmente há planejamento envolvido, certas coisas que precisam estar ali antes que a foto seja tirada”, Rickett me disse. “Só posso falar da minha experiência, mas sinto que no geral, fotógrafos precisam estar muito presentes. Isso afeta muito o jeito como lembramos das situações, com ou sem fotos.”

Ser seletivo e atento sobre sua fotografia é um traço que se provou útil no uso do próprio Ricketts das redes sociais. Mesmo que documentar suas experiências seja seu ganha-pão, Ricketts não sente a necessidade de estar constantemente atualizando suas contas na internet. Em vez disso, ele encontrou um equilíbrio entre mostrar ao mundo o que ele está fazendo e guardar coisas daqueles momentos só para ele.

Na nossa era profundamente digital, Ricketts talvez já tenha encontrado o segredo do sucesso: Fotografar, como algo importante e necessário em si, deve ser abordado com moderação e intenção. Da próxima vez que você pegar seu celular para fazer uma Story, é bom lembrar que a documentação digital pode ser prejudicial – não ajudar – como lembrarmos de nossos momentos mais mágicos. E, enquanto raramente podemos escolher evitar totalmente as redes sociais, podemos julgar melhor os momentos em que escolhemos nos desligar – porque, às vezes, vale mais a pena simplesmente existir, viver o momento, e ter uma história para contar depois.

Matéria originalmente publicada na Vice Gringa.
 
Somos todos torturadores inofensivos nas redes sociais, dizem psicólogos
AUGUST 17, 2018

Há um botão na sua frente; se você girá-lo, um estranho que está sentindo uma dor tolerável causada por um choque vai receber uma voltagem mais forte, mas tão leve que nem ele mesmo vai perceber. Você gira o botão e vai embora. Só que centenas de pessoas passam por ali e fazem a mesma coisa, até que a vítima começa a gritar de agonia.

Você fez alguma coisa errada? Derek Parfit, o influente filósofo britânico que morreu em janeiro de 2017, definiu esse caso como o do “Torturador Inofensivo”. A princípio, ele pensou num cenário mais simples, no qual mil torturadores girariam o botão mil vezes cada um em suas próprias vítimas. Obviamente, isso é terrível.

Então Parfit explora um outro caso, em que cada um dos mil torturadores gira o botão mil vezes, só que, a cada volta, eletrocutando uma das mil vítimas diferentes. O resultado é o mesmo: mil pessoas em agonia. No entanto, moralmente, a impressão é diversa, já que ninguém, de modo individual, causou mal real a um indivíduo específico.

Esse parece o tipo de exemplo técnico bem bolado que os filósofos adoram —entre outras coisas, é um desafio a uma visão utilitarista que analisa a incorreção de um ato apenas por suas consequências—, mas sem relevância no mundo real.

Só que o mundo mudou desde que Parfit publicou esse cenário, em 1986. Hoje, em 2018, os dois autores deste artigo são Torturadores Inofensivos, e você —independentemente da posição que você assuma diante de qualquer questão específica— provavelmente também é.

Esse enredo de Parfit se repete a todo momento nas redes sociais. Alguém escreve algo ruim sobre você no Facebook; dependendo da relação que tiver com tal pessoa, você pode chegar a se magoar pessoalmente ou não, mas, como ninguém percebe, não é lá grande coisa. Porém, se no dia seguinte houver mil curtidas e inúmeros comentários irônicos, é bem provável que você fique arrasado. Embora cada um dos comentários em particular tenha causado pouca ou nenhuma mágoa, o efeito agregado é muito mais grave.

No livro “So You’ve Been Publicly Shamed” [então você foi humilhado em público], de 2015, Jon Ronson explorou os efeitos do linchamento digital, incluindo a história de uma mulher cujo tuíte irônico sobre o privilégio dos brancos deu muito errado, gerando dezenas de milhares de respostas enfurecidas, levando-a a perder o emprego e ter que se esconder.

Desde então, a turba tem andado ocupada: sua atenção se voltou para um dentista que matou um leão, uma série de mulheres brancas que, sem motivo aparente, chamaram a polícia por causa de negros, uma professora esquerdista que pediu a amigos que expulsassem um jornalista de um protesto e vários outros.

Quando pensamos na selvageria das redes sociais, em geral temos em mente um comportamento individual péssimo: ameaças de morte e de estupro, divulgação de informações pessoais, inclusive endereços e locais frequentados pelos filhos das vítimas ou mentiras maldosas, por exemplo. O Torturador Inofensivo, contudo, nunca vai tão longe. Ele apenas curte, retuíta e acrescenta aquele comentário inteligente ocasional. O problema é que somos milhões, todos girando o botão.

Parfit não nos diz, em momento algum, qual é a motivação dos torturadores de seu experimento mental, mas há diversas considerações no dia a dia. Afinal, somos animais morais. Há inúmeras evidências em estudos de laboratório e na vida real de que queremos ver os agentes imorais recebendo o castigo merecido. Isso está baseado na lógica evolucionista: se não estivéssemos sempre dispostos a punir ou excluir os malvados, não haveria ônus nenhum em ser bandido, e as sociedades cooperativas não decolariam.

Há também uma espécie de crédito social que acompanha o fato de ser visto como punidor moralista: queremos mostrar aos outros que somos bons, exibir nossa virtude. Quando alguém está olhando, é maior a tendência de agirmos como punidores, e há provas de que terceiros têm em mais alta conta —e mais chances de depois considerar de confiança— quem pune os bandidos, e não aqueles que ficam parados sem fazer nada.

No mundo real, é complicado desassociar as motivações morais das sociais. Na coluna The Stone, do New York Times, o filósofo Bryan W. van Norden escreveu: “Como a maioria dos americanos, vibrei espontaneamente quando vi o nacionalista branco Richard Spencer tomando um soco durante uma entrevista”. É difícil dizer em que medida a afirmação retrata prazer genuíno por um racista ter recebido o que merece e em que medida reflete o desejo de ser visto como antirracista para o público aplaudir.

Se a motivação consciente de nossa reprovação é explícita, a ideia de fazer nossa vítima sofrer talvez nunca nos ocorra. E a facilidade com que expressamos indignação moral online —na maioria das vezes sem qualquer repercussão no mundo real— torna essa condenação muito mais fácil. Como escreveu Molly Crockett, nossa colega de Yale: “Se a revolta moral é o incêndio, então a internet é gasolina?”.

Há também um sistema de recompensa construído em cima do constrangimento online. Em artigo publicado no site Quillette, “I Was the Mob Until the Mob Came for Me” [eu era a turba até a turba vir atrás de mim], um autoproclamado ex-justiceiro social, sob o pseudônimo Barrett Wilson, descreveu a empolgação que sentia nos tempos de execração cibernética: “Toda vez que eu chamava alguém de racista ou sexista, a adrenalina subia. E a sensação se reafirmava e se sustentava a cada estrelinha, corações e joinhas que constituem as esmolas da validação das redes sociais”.

Mas causar morte com milhares de facadas não é uma coisa boa? Se fosse Hitler, não seria certo fazê-lo passar por isso? Sim, mas o problema é que, quando estamos cheios de indignação moral, agindo como parte da massa num mundo virtual sem nenhum sistema fixo de avaliação, lei ou justiça, todos os inimigos viram Hitler. É muito fácil haver, como diz Ronson, “uma dissociação entre a gravidade do crime e a selvageria eufórica da punição”.

Claro que o constrangimento público pode ter efeitos positivos. Às vezes a massa ensandecida acerta. Entretanto, da mesma forma, os Torturadores Inofensivos podem facilmente atingir os fracos e indefesos; o ataque pode se basear em mentiras e confusões ou ser encorajado pela ignorância de celebridades e políticos —incluindo e destacando o atual presidente [dos EUA].

O efeito do Torturador Inofensivo não se limita às redes sociais; podemos ver também as consequências da agregação quando se trata de ações individuais de maior impacto. Curtidas e retuítes têm uma semelhança estrutural com a execução por apedrejamento, sobretudo se o público é grande: é difícil ver a vítima e ninguém tem boa pontaria. Rejeição social é outro caso, uma tortura pelo acúmulo de omissões —indivíduos evitando contato com determinada pessoa—, e não por ações.

O escritor Julian Sanchez, membro do libertário Instituto Cato, usou o exemplo de Parfit em uma discussão sobre comportamentos como assobiar para uma mulher ou usar linguajar ofensivo de brincadeira. Ele observa que a reação típica à crítica dessas atitudes é a negação —muitos acham que não há má intenção nessas ações e que ninguém se machuca com elas. Mas, mesmo que seja válido para condutas individuais, a situação muda quando a consideramos em termos agregados, repetindo-se vezes sem conta, milhares de vezes por milhares de pessoas —e aí o impacto se torna óbvio.

É difícil mudar os tipos de comportamento que Sanchez aborda, e talvez mais difícil até fazer as pessoas repensarem o linchamento online, já que a sensação é muito boa quando achamos que estamos do lado certo. Nossa mente evoluiu para levar em consideração os efeitos de nossas ações individuais; é difícil pensar nos efeitos agregados. Mas a lição que fica do Torturador Inofensivo de Parfit é que, se queremos ser pessoas decentes, devemos tentar.



Fonte
 
Você sabe com quem está falando? Sabe porque essa pergunta é tão usada?

"A legitimidade do porta voz nada tem a ver com o que é dito, a legitimidade do porta voz tem a ver com o reconhecimento da posição social ocupada por quem fala."

O que é isso?

Poderíamos analisar por diversos aspectos, social, econômico, jurídico e tantos outros. Contudo, o que nos interessa é a abordagem filosófica.

Analisaremos a legitimidade do porta voz.

A legitimidade do porta voz diz respeito a quem enuncia o discurso.

Muito mais relevante do que o discurso em si, o porta voz do discurso precisa gozar de prestígio social para que se faça ouvir. Como assim?


O sociólogo e filósofo francês Pierre Bourdieu diz: “Os circuitos de consagração social serão tanto mais eficazes, quanto maior a distancia social do objeto consagrado”. Isso quer dizer que, quanto mais distante o porta voz estiver em escala social, maior a legitimidade e o prestigio por ele alcançados.


Você já ouviu o ditado “santo de casa não faz milagre”?


É exatamente o que Bourdieu explica em sua obra. Porém a legitimidade do porta voz vai muito além dos circuitos de consagração social.
A posição social determina quem está autorizado a falar, ou não.


Em 20 de Novembro de 2017 foi realizado um evento em comemoração ao dia da consciência negra, comemorado nessa data. Nesse evento participaram os atores Taís Araújo e seu marido Lázaro Ramos. Casal reconhecido por suas atuações cênicas, ambos negros de origem pobre. Em seu discurso passional Taís Araújo citou que a sociedade brasileira ainda é pautada em uma cultura racista e classista. Ela culminou seu pronunciamento dizendo que em alguns lugares “a cor do meu filho faz as pessoas atravessarem a rua no Brasil”.
Taís Araújo imediatamente virou alvo de escárnio e chacota. Em pouco tempo a internet estava inundada com memes debochando da declaração da mesma.


Exatamente uma semana após o dia da consciência negra, o ator Bruno Gagliasso e sua esposa, ambos brancos, foram vitimas de uma internauta que atacava a filha adotiva do casal por ser negra.

Curiosamente se levantaram em brados de protesto e revolta. O que aconteceu? Qual a diferença?

A classe média desenvolve um papel importante nos circuitos de consagração social e nos ditames de quem deve ou não ser autorizado a falar.

Aconteceu exatamente o que a atriz Taís Araujo denunciava em seu discurso. Ela e seu marido, por serem negros e terem origem humilde, ainda que tenham alcançado o sucesso profissional, não estão socialmente autorizados a falar. Enquanto um casal branco tem o poder social para falar.

Devemos entender que a classe media em maioria sempre será conservadora. Por que?
Porque a classe média tem duas grandes aspirações, a saber, 1 - ser a classe dominante, ou dona dos meios de produção, 2 - não ser parte do proletariado base dos meios de produção.

Sendo assim, essa classe precisa que as coisas sejam como são, onde existe uma possibilidade de ascensão e menosprezo as classes menos favorecidas. Por isso a mídia em suma é voltada para a classe média. É ela que determina quem tem a legitimidade do discurso.

Um acadêmico, formado, pós graduado, mestrado, doutorado e pós-doutorado pobre, não vende nem de longe mais do que um milionário empreendedor que conseguiu uma grande jogada financeira. Esse segundo será procurado para palestras, entrevistas e eventos, e seu discurso já é tido como verdade absoluta imediatamente após ser proferido, ainda que ele mal saiba falar ou assinar o próprio nome.

A questão não é enaltecer o discurso de autoridade por formação, mas sim mostrar como a legitimidade do porta voz se faz por posição social.

Imagine esse mesmo milionário, fazendo exatamente o mesmo discurso, uma semana antes de estourar. Ou seja, enquanto ainda era pobre. Quantas pessoas ouviriam o que ele fala? Quantas palestras ou eventos ele faria?

Exatamente, nenhuma.

Enquanto socialmente legitimarmos o porta voz e não o discurso em si, não adiantará nada do que se fala, mas quem fala.
Ao perpetuarmos o status quo vigente, estaremos perpetuando a mediocridade e nada podemos esperar de diferente.

Parafraseando Gandhi: “seja a mudança que você quer ver no mundo”.
 

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