Quem é Zeinal Bava, o executivo moçambicano que articulou a fusão da Oi com a Portugal Telecom e tem o desafio de recolocar a problemática operadora brasileira nos eixos Por Ralphe MANZONI Jr.
Assista à entrevista com o editor Ralphe Manzoni Jr.
Em 2007, o executivo moçambicano Zeinal Bava tomou um avião para a Cidade do México. Lá, teve um encontro reservado com o bilionário Carlos Slim, dono da operadora de telefonia Telmex. Dias depois, o homem mais rico do mundo comprou 5% das ações da Portugal Telecom (PT), e isso foi fundamental para evitar a oferta hostil feita pela rival Sonae, que tentava assumir o controle da PT, a empresa de Bava. Esse episódio é um exemplo de como trabalha o engenheiro Bava, como ele é conhecido em Portugal. Longe dos holofotes, de forma discreta e sem publicidade, com frequência, consegue atingir seus objetivos. Esse estilo, que tem dado certo até agora, será testado no que deve ser o desafio mais difícil de Bava.
O engenheiro: Zeinal Bava, o CEO da nova supertele,
fez carreira em bancos de investimentos
Ele está à frente da CorpCo, nome fantasia da operadora que une a Oi com a PT, em mais um capítulo do processo de consolidação do setor de telecomunicações brasileiro. A nova supertele nasce internacionalizada, com mais de 100 milhões de clientes no Brasil, na Europa, África e Ásia. O faturamento combinado das duas empresas deve atingir R$ 40 bilhões neste ano, com uma geração de caixa de R$ 12,8 bilhões, sinergias estimadas de R$ 5,5 bilhões e uma dívida líquida de R$ 41,2 bilhões - este número já considera um aumento de capital de R$ 8 bilhões (mais informações no quadro "Os números da supertele de língua portuguesa"). No fim desse processo, previsto para acontecer no primeiro semestre de 2014, a CorpCo será uma empresa sem controlador definido, na qual os acionistas da Portugal Telecom terão aproximadamente 38% do capital.
Os sócios brasileiros - entre eles a La Fonte, da família cearense Jereissati; a AG Telecom, do grupo mineiro Andrade Gutierrez; o BNDES e os fundos de pensão - ficarão com 62%. Individualmente, nenhum acionista terá mais de 10% do capital, numa típica corporação sem dono. Apesar dessa formatação, o controle operacional da nova empresa estará nas mãos dos portugueses. Mais notadamente de Bava, um dos articuladores da união. "Nossa ambição é estar entre os maiores players globais", disse Bava, de Londres, em uma teleconferência, na quarta-feira 2, durante o anúncio do acordo. As negociações entre os principais acionistas da Oi começaram no ano passado.
Na época, surgiram rumores de que a Portugal Telecom, presidida por Bava, iria comprar as fatias da La Fonte e da AG Telecom, que compunham o bloco de controle da operadora brasileira, ao lado dos portugueses. Na verdade, a notícia não passava de um balão de ensaio para testar a reação do governo federal. Não custa lembrar: a Oi é resultado da fusão da Telemar com a Brasil Telecom, ocorrida em 2008. Surgiu na esteira da política de campeões nacionais do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sustentada pelo apoio financeiro do BNDES. Até a Lei Geral das Telecomunicações precisou ser alterada para viabilizar o negócio. A meta do governo era ter uma multinacional verde-amarela no estratégico setor de telecomunicações, competindo com Vivo, TIM e Claro. A fusão de Oi e PT sepulta de vez esse projeto.
O governo brasileiro acompanhava com preocupação o desempenho da Oi e suas dificuldades de caixa. Não se opunha a um acordo com a PT, mas queria uma solução que evitasse a transferência do controle para os portugueses e a saída dos investidores brasileiros. Em dezembro do ano passado, Pedro Jereissati, da La Fonte, e Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, foram a Lisboa retomar as conversas. Naquele momento, elas estavam ainda em um estágio inicial. Só depois do Carnaval deste ano, em fevereiro, as negociações avançaram. Elas ficaram mais intensas quando Bava assumiu a presidência da Oi, em junho. "Tudo podia acontecer", diz uma fonte, que estava a par das tratativas.
Há dois meses, o BNDES foi procurado para fazer uma nova injeção de R$ 3,5 bilhões na Oi. O governo da presidenta Dilma Rousseff, no entanto, não apoiou essa alternativa. Procurado, o BNDES não comentou a informação. Pulverização do capital A decisão que agradou à presidenta Dilma foi pulverizar o capital de tal forma que não haverá um controlador definido. O modelo proposto, a princípio, foi bem recebido pelo mercado. "A Oi tem um histórico de não respeitar os minoritários", afirma Karina Freitas, analista da corretora Concórdia. "A pulverização do controle é importante para mudar isso." Na prática, no entanto, o comando estará com a PT. Mas isso não foi considerado um problema para o governo.
"A sede será no Brasil e a maioria do capital será brasileiro", afirmou o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, na própria quarta-feira passada , confirmando que já sabia da fusão. "No caso da PT e da Oi é a consolidação de uma estratégia que já vinha se desenhando."
A criação da CorpCo prevê, ainda, uma capitalização de R$ 13,1 bilhões. Desse total, ao menos R$ 7 bilhões serão aportados em dinheiro. Os atuais controladores e o BTG Pactual injetarão R$ 2 bilhões. DINHEIRO apurou que o BNDES participará da capitalização. Só não sabe ainda o valor que investirá. Os fundos de pensão, como o Petros, dos funcionários da Petrobras; a PREVI, do BANCO DO BRASIL; e a Funcef, da Caixa, não decidiram se participarão desse aumento de capital.
Será preciso ainda buscar R$ 5 bilhões com investidores privados. Os donos originais da Oi, a La Fonte e a AG Telecom, deixam o comando, mas estão cobrando caro. Eles conseguiram livrar-se de uma dívida de R$ 4,5 bilhões, que passará a ser dividida com todos os acionistas da empresa. Segundo um relatório do banco Santander, a nova empresa nasce melhor do que a atual, mas os minoritários estão pagando a conta da operação. Alma inglesa Nascido em Moçambique, ex-colônia de Portugal, Bava tem nacionalidade portuguesa, mas passou a maior parte de sua vida na Inglaterra. É, segundo pessoas próximas, o mais anglo-saxão dos portugueses. Sua família, de origem mulçumana sunita, migrou para Portugal em 1975, após a independência de Moçambique.
Com 14 anos, foi estudar em Londres, onde vendeu biscoitos para financiar suas viagens. Chegou também a trabalhar em uma loja da italiana Benetton, em Lisboa, vendendo roupas, durante uma de suas férias. Cursou faculdade de medicina por poucos meses. Tentou ser químico, mas se formou em engenharia elétrica pela University College of London. Tem profundo conhecimento técnico do setor de telecomunicações, mas nunca exerceu a profissão de engenheiro, apesar de assim ser chamado por seus compatriotas - a alcunha é mais um sinal de respeito, típico dos portugueses. Fez carreira no mercado financeiro, atuando em bancos de investimentos como o Warburg Dillon Read, o Deutsche Morgan Grenfell e o Merrill Lynch, de 1989 a 1999, quando ingressou na Portugal Telecom, como executivo da área financeira.
Nove anos depois, assumiu a presidência da PT, cargo que manteve até maio deste ano. Deixou a função para comandar a Oi, numa estratégia considerada arriscada. Havia o receio de que ao deixar a direção da PT, perdesse poder, caso os problemas da operadora brasileira se aprofundassem. Conhecido por seu estilo direto, Bava toma decisões rápidas. Executivos acostumados a trabalhar com ele contam que suas reuniões dificilmente ultrapassam dez minutos. Ao menor sinal de divagação dos interlocutores, rapidamente intervém para retomar o foco da conversa. Essa estratégia garante um alto nível de produtividade. "Ele aprende muito depressa", diz uma fonte que conhece Bava há mais de dez anos.
"É afável, mas duro, e completamente apaixonado por metas." Suas jornadas de trabalho, não raro, chegam a durar 14 horas. Tem fama de controlador e ambicioso, o que parece não incomodá-lo. "Não pedimos desculpas por ter ambição, pedimos desculpas quando falhamos", costuma dizer.Bava não gosta de usar gravatas - só o faz em ocasiões especiais, e prefere mochilas às indefectíveis pastas dos executivos. É um executivo mão na massa, que visita lojas em momentos inesperados para avaliar o atendimento ao público, passa manhãs no call center ouvindo clientes - e muitas vezes conversando com eles - e participa de programas de venda porta a porta. Um de seus vícios são as mensagens de texto por celular.
Foi dessa forma, por exemplo, que avisou o executivo Roberto Lima, na época presidente da Vivo, que havia fechado a negociação para a venda da fatia da PT na operadora de telefonia celular aos espanhóis da Telefónica por E 7,5 bilhões, uma valorização de mais de 30% desde a primeira oferta. Dono de uma empresa sem dono, o homem forte da CorpCo circula com facilidade pelo mercado financeiro. "Ele conta com portas abertas entre os principais investidores dos Estados Unidos, Europa e Ásia", diz uma fonte que já trabalhou com o executivo. Faz parte do círculo de amizade de empresários importantes do mundo da tecnologia, como o fundador da Microsoft, Bill Gates, e o chairman da Cisco, John Chambers. Detalhista, é tido também como um bom estrategista.
Em meados dos anos 2000, quando a telefonia fixa perdia assinantes em Portugal, ajudou a criar o Meo, uma das mais bem-sucedidas estratégias de convergência digital da Europa. O serviço une telefonia fixa, celular, banda larga e tevê por assinatura através de fibra óptica. Com ele, conseguiu estancar a queda de assinantes da operadora portuguesa. Bava terá agora de usar toda a sua habilidade na nova companhia. Em especial na Oi. "O alto endividamento deixou a Oi sem capacidade de investir", afirma Arthur Barrionuevo, professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo. "Ela perdeu competitividade."
A missão de Bava não é trivial, porém, óbvia: reduzir a dívida, melhorar a produtividade e retornar à trajetória de crescimento acelerado. "A sobrevivência virá com o crescimento", disse Bava, em uma entrevista para a Bloomberg TV, na quinta-feira 3. "Daqui a um ano, teremos melhorado a execução e a produtividade." Esse trabalho, na verdade, já está em curso na operadora brasileira e deve ser intensificado a partir de agora. Um exemplo é o uso do programa da israelense ClickSoftware. Com ele, a companhia melhorou a produtividade dos técnicos de campo. Antes, de cada dez visitas, apenas quatro problemas eram resolvidos. Agora, são sete. "É razoável esperar que a Portugal Telecom consiga extrair sinergias significativas dessa fusão e cortar os custos da Oi", escreveu Robin Bienstock, analista da Bernstein*Research, em um relatório. A Oi quer também, finalmente, tirar vantagem da capilaridade propiciada por sua implantação em quase todo o território brasileiro.
Paulo Bernardo : "A sede da nova empresa é no Brasil e a maioria do capital é brasileira.
No caso da PT e da Oi é a consolidação de uma estratégia que já vinha se desenhando"
A visão de Bava é de que o crescimento do mercado de telecomunicações acontecerá em cidades pequenas e nas regiões Norte e Nordeste. São os rincões do País, áreas com baixa penetração de banda larga, tevê por assinatura e internet móvel. "Estamos presentes em 4,8 mil dos 5,5 mil municípios do Brasil", afirmou o executivo. "Temos uma posição única para nos beneficiar desse crescimento futuro." Se conseguir, parafraseando o que diz a canção Fado tropical, de Chico Buarque, Bava terá transformado a Oi em um imenso Portugal.
A primeira vítima
Na quinta-feira 3, exatamente uma semana depois de a Telefónica de España anunciar seu complexo plano para assumir o controle da Telecom Italia, o presidente do conselho de administração, Franco Bernabè, renunciou ao cargo. Sua queda reflete a falta de apoio dos membros do board ao seu plano de recapitalização da operadora italiana. Seu objetivo era que os acionistas aportassem mais de E5 bilhões. A medida sofreu resistência da Telco, bloco de controle que conta com Telefónica, os bancos Mediobanca e Intesa Sanpaolo e a seguradora Generali, bem como dos demais acionistas. Para seu lugar, a Telecom Italia nomeou Marcos Patuano, atual diretor-geral da operadora.
A saída de Bernabè abre espaço para a Telecom Italia vender alguns de seus ativos e, assim, reduzir um endividamento de E 29 bilhões. Estão no radar do enxugamento a venda de algumas torres e a demissão de funcionários. A venda da TIM Brasil, que sofria resistências de ex-presidente do conselho, torna-se mais factível agora. "Não posso assistir à destruição completa da Telecom Italia", teria dito Bernabè a amigos. "Eu vou embora." Caso assuma o controle da Telecom Italia, o que pode acontecer a partir de 2014, a Telefónica passa a ser dona da Vivo e da TIM, no Brasil. Com isso, deteria 55% do mercado brasileiro de telefonia celular. Uma das alternativas para que o negócio seja aprovado pelas autoridades antitruste seria a venda dos ativos da operadora italiana no País.