Artemisia Gentileschi (1593-1656)
Artemisia foi famosa por pintar mulheres de valentia, paixão e vulnerabilidade. Uma das pintoras mais progressistas e expressivas do período Barroco
Introdução/Contexto:
Artemisia cresceu em Roma, numa época em que a cidade era o centro da pintura. Ela era a filha mais velha do pintor Orazio Gentileschi, ficou órfã de mãe aos doze anos de idade. Embora tivesse que cuidar dos três irmãos e das tarefas domésticas, logo demonstrou interesse na profissão de seu pai, cujo ateliê ficava ao lado da casa deles. Na época, a pintura era vista como uma prerrogativa masculina, mas graças ao incentivo paterno, Artemisia decidiu seguir esse caminho.
A formação artística de Artemisia ocorreu no ateliê de seu pai, que o mesmo foi capaz de misturar o naturalismo com a sofisticação formal, mantendo sempre um seguro senso de desenhista e uma paleta refinada derivada de sua formação toscana.
Orazio Gentileschi, Madonna and Child in a landscape, 1621 - 1624.
Naquela época o período barroco estava tomando conta e em meio disso tínhamos, Michelangelo Merisi, já conhecido como Caravaggio, operava em Roma, com quem Orazio tinha amizade; certamente Artemisia, como muitos outros colegas, também ficou impressionada com o artista que introduziu o realismo na pintura, e ao decorrer dos anos é claro a influência de Caravaggio nas pinturas de Artemisia.
O atelie do seu pai era frequentado por muitos pintores, incluindo Agostino Tassi, como Artemisia estava super engajada com pinturas, o pai dela pediu para o Agostino que se pudesse dar algumas aulas para sua filha, mas, a consequencia disso, acaba se tornano um dos pontos mais humilhantes e revoltantes da sua vida, o estupro de Agostino.
Estupro:
Com o passar das aulas, Agostino foi criando uma obsessão em volta de Artemisa, até que chegasse em um culminio, que foi o estupro.
(Cartas de Artemisia)
"Trancou o quarto a chave e depois me jogou sobre a cama, imobilizando-me com uma mão sobre meu peito e colocando um dos joelhos entre minhas coxas para que não pudesse fechá-las. E levantou minhas roupas, algo que lhe deu muito trabalho. Pôs um pano em minha boca para que não gritasse. Eu arranhei seu rosto e arranquei seus cabelos."
Depois que Tassi a estuprou, ele imediatamente garantiu que se casaria com ela, e ela relata que “com essa boa promessa me senti mais calma” e confirma que, acreditando em sua promessa nupcial, ela consentiu em fazer sexo com ele em várias ocasiões depois disso, mas a máscara foi caindo e Artemisia só estava sendo enrolada e aos poucos foi percebendo que o casório nunca ia de fato acontecer, foi então que Gentileschi decidiu levar isso a um processo.
Julgamento:
Durante o processo, Artemisia sofreu diversas humilhações, tanto fisicamente como psicologicamente. Para garantir que ela estava dizendo a verdade. Primeiro, eles obrigam Artemisia a fazer exames ginecológicos longos, dolorosos e humilhantes para assegurar que se ela era virgem quando foi estuprada. Segundo, para verificar a veracidade das declarações feitas, as autoridades judiciais chegaram a ordenar que Gentileschi fosse submetida a interrogatório sob tortura de anjinhos, a fim de acelerar – de acordo com a mentalidade jurisdicional vigente na época – a verificação da verdade. No entanto, ela queria ver seus direitos reconhecidos e, apesar das dores que foi forçada a sofrer, não alterou seu depoimento.
A personalidade de Artemisia emerge. E com a força impulsiva dos anjinhos arriscando não só seus dedos, mas, a verdadeira arte de Gentilesche, com isso ela impõe sua personalidade e importância, com toda sua força e esperança exclama: “É verdade, é verdade, é verdade”, ela repetiu enquanto os anjinhos eram ainda mais apertados. A transcrição observa que ela interrompeu seu depoimento para se dirigir diretamente a Tassi, com uma referência mordazmente irônica às amarras em seus dedos: “Este é o anel que você me deu e estas são suas promessas”.
Artemisia e Agostino eram ambos pintores. A diferença é que o primeiro era uma mulher e o segundo um homem: os dedos e a obra de um pintor masculino eram mais preciosos.
Depois de um período implacável de sete meses, ela ganhou o famoso julgamento de estupro e levou seu agressor à justiça, um marco significativo em uma época em que as reivindicações das mulheres mal eram mantidas em relação às dos homens
O estuprador foi sentenciado, mas, acima de tudo, a pintora sairá do processo muito afetada: sua honra e a da família Gentileschi foi comprometida para sempre. Foi assim que, em 27 de novembro de 1612, as autoridades judiciais condenaram Agostino Tassi por “defloração” e, além de impor uma sanção pecuniária, o sentenciaram a cinco anos de prisão ou, alternativamente, ao perpétuo exílio de Roma.
Depois dessa breve biografia, apresento uma obra de Gentileschi.
Arte/Interpretação:
Muita arte dos séculos 16 e 17 se concentra em tropos mitológicos e histórias de origem que estão profundamente enraizadas na misoginia e na violência sexual. A violência de gênero foi estetizada, o estupro, heroizado. De acordo com o “olhar masculino”, não eram pinturas feitas para coleções públicas. Eles foram encomendados para exibição privada e prazer voyeurístico. As mulheres raivosas, por outro lado, são vistas como perigosas; bruxas rotuladas, histéricas, fora de controle. Uma dessas mulheres que trabalhou para reescrever o discurso da produção de arte narrativa foi Artemisia Gentileschi, uma pintora que levou a perspectiva da raiva feminina a um nível totalmente novo, ao longo de sua carreira, ela demonstrou uma compreensão sofisticada de como seu status incomum como mulher agregava valor a suas pinturas.
Ela era confiante o suficiente para abordar assuntos indelicados, como assassinato, estupro e adultério. Gentileschi não permitiu que seu sexo, posição ou idade determinassem seu destino. Ela só recentemente ganhou reconhecimento como uma mulher ousada superando as adversidades da vida e desafiando o status. Nesse sentido, problematizar as relações entre a vida e a obra da artista foi o que nos permitiu conhecer algumas facetas da identidade de “Artemisia pintora”, ela favoreceu ao longo de sua carreira: mulheres heroínas e o nu feminino, ela foi uma importante proponente de segunda geração do realismo dramático de Caravaggio.
Poder, arte e paixão sempre distinguiram a vida de Artemisia Gentileschi, uma das maiores pintoras do século XVII. Usando as armas de sua própria personalidade e suas qualidades artísticas contra os preconceitos expressos em relação às mulheres pintoras, ela conseguiu entrar ativamente no círculo dos pintores mais conceituados de sua época.
Artemisia Gentileschi, Susanna and the Elders, 1610.
Nessa obra, podemos identificar trabalhos de perspectivas, opressão e vulnerabilidade. Interessante pensar que essa obra foi feita antes mesmo do caso de estupro.
Em perspectivas temos em primeiro plano, apenas o pé de Susanna situando o espectador em algo raso e mostrando que estamos longe do fundo, mas o que seria o fundo desse imenso lago? respeito.
Essa parte do quadro com seus pés mostrando apenas o raso foi genial, mostrando que além de estarmos longe dessa mudança, não temos nem a noção do tamanho real desse problema(o lago).
Ao mesmo tempo que ela está tentando subir, ela se depara com homens em uma forma de montanha, intocável, inatingível, dificultando qualquer "way of living" para mulheres, claro. O posicionamento dos homens não poderia ser um melhor, mostrando que sempre os homens estão acima das mulheres sem alguma razão e sempre talking shit about this genre.
A Artemisia posteriormente fez outras versões desse quadro, versões em que a Susanna em vez de tentar se esquivar ou não ser atingidas por pensamentos mundanos e ousados, ela os enfrenta, mas, nesse específico caso podemos perceber que a doçura e a imposição não estão lado a lado.
Reconhecimento:
Após o estupro e o julgamento, Artemisia casou-se com um pouco conhecido e modesto pintor, Pierantonio Stiattesi, e mudou-se com ele para Florença. É lá que ela se tornou verdadeiramente “la Pittora” (“a Pintora”), com reputação própria, clientes e um estilo altamente individual, ao contrário de muitas outras mulheres artistas do século XVII, ela se especializou em história em vez de natureza morta e retratos. Ela também passou a construir sua persona artística de forma mais consciente: aprendeu a ler e escrever (esses conhecimentos eram tipicamente limitados a mulheres de nível social mais elevado), desenvolveu o gosto pela música e pelo canto, frequentou círculos sociais cultivados e fez amizades importantes, até mesmo desfrutando do favor da corte dos Médici.
Em julho de 1616, Artemisia tornou-se a primeira mulher a ser admitida na prestigiosa Accademia delle Arti del Disegno. Com a respeitabilidade do casamento garantindo-lhe a liberdade de circular socialmente, conheceu intelectuais, performers e outros artistas, entre eles Galileu Galilei, Michelangelo Buonarroti e a compositora de ópera Francesca Caccini, bem como a própria família Medici
E em 1638, se juntou ao pai na corte do rei Carlos I em Londres, a convite do próprio rei, que admirava os trabalhos de Artemísia.
Paixão:
Como seu casamento foi feito às pressas, para que pudesse sair de Roma, pois sua reputação estava indo de mal a pior, mesmo tendo provado ser inocente. Artemisia descobriu o amor, não com o marido, mas com um nobre florentino chamado Francesco Maria Maringhi, um alto funcionário da corte dos Medicis. Inúmeras cartas, que apareceram alguns anos atrás, são testemunho de seu relacionamento, mesmo Francesco Maria Maringhi sendo casado.
Em algumas dessas cartas para Francesco diziam:
Artemisia se dirige a Maringhi como “meu querido coração”; em outro, ela o repreende por escrever apenas duas linhas para ela - "que se você me amasse teria durado para sempre". Em uma terceira, ela se refere a um autorretrato em posse de Maringhi e o alerta para não se masturbar diante dele. (o retrato exato não foi identificado.) Na mesma carta, ela expressa com saliência sua satisfação por ele não ter tido nenhuma outra amante.(ela sabia mesmo?)
Conclusão:
Artemisia deu à luz cinco filhos, entre os anos de 1613 e 1618, tornando ainda mais impressionante a execução de pinturas em grande escala durante esse período. Não era apenas uma questão de resistência física: três de seus filhos morreram na infância, e um quarto, Cristofano, nascido em 1615, morreu antes dos cinco anos. Apenas sua filha, Prudenzia, nascida em 1617 e batizada em homenagem à mãe de Artemisia, viveu até a idade adulta. Essa perda materna repetida – e o risco que sucessivas gestações então representavam para a vida de uma mulher – é inimaginável hoje. Vinte e poucos anos após o nascimento de seus filhos, Artemisia recebeu uma encomenda de Filipe IV da Espanha para pintar uma obra bíblica, “O Nascimento de São João Batista”. Artistas de Tintoretto a Murillo pintaram a cena, mas a versão de Artemisia destaca sua intimidade com a dinâmica da sala de parto.
Artemisia Gentileschi, The Birth of Saint John the Baptist, 1633-1635.
Mesmo com tanta história feita ainda temos histórias para serem ditas, Gentileschi lutou contra os baixos salários e o sexismo durante sua carreira. Em carta ao seu patrono Don Antonio Ruffo, ela afirmou “Fiquei mortificada ao saber que você quer reduzir um terço do preço já baixo que eu pedi”, dizendo também em uma carta posterior “E agora, vou mostrar o seu mais Ilustre senhorio, o que uma mulher pode fazer!” ou em outra carta “O nome de uma mulher levanta dúvidas até que seu trabalho seja visto”.
Das 60 pinturas que lhe são atribuídas, com certeza, 40 representam figuras femininas: de Maria Maddalena a Santa Caterina, de Esther a Judite, Artemisia Gentileschi não apenas transfigurou a dor do estupro: ela também deu voz às mulheres e reivindicou sua posição no mundo, história e arte. As mulheres representadas nas obras de Artemisia são fortes, decididas, sensuais, muito diferentes das mulheres angelicais representadas por outros pintores da época
Menções/Trivias de vida:
Artemisia ganhou a fama de grande pintora, não somente por causa do seu talento, mas também por causa da sua inteligência e cultura
Além disso, as correspondências de Artemisia também revelaram que a pintora conhecia as fontes literárias mais utilizadas para fundamentar as representações imagéticas, autores como Ovídio, Petrarca, Ariosto, Poliziano e Ripa.
Roberto Longhi, o historiador de arte italiano, escreveu uma avaliação relutante, chamando-a de “a única mulher na Itália que já entendeu o que era pintura, ambas as cores, empasto e outros elementos essenciais”.
Notas do Autor:
Depois de meses de pesquisa, além de ser recepcionado por historias intrigantes ou quadros fantásticos, o que mais me surpreende é o quanto eu aprendo com essas pessoas, tipo, mesmo depois de séculos ainda estamos nos mesmos ‘probleminhas’.
How brave she was is really admirable after losing almost her whole family still being able to continue through art, its amazing. inspiring.
This human energy is still with us tho, thats not enough, you gotta analize your particular energy, learn from it and start to realize what of all that energy is about. The moment that you got all that, development start firing and turning into your meticulous and greatest thing, life and you will colide and blend into a whole aware unique one, all kind of odds will be against and with you, from that moment the whole world will be ready for your shit, there will be people, real people, waiting for that. Thats my view on Artemisia Gentileschi.
Artemisia Gentileschi, Self-Portrait as Saint Catherine of Alexandria, 1615–1617.