Um passeio por Mass Effect: Parte 1
Há cerca de 2 meses, concluía, pela primeira vez, The Witcher 3: Wild Hunt e suas duas DLC. A campanha tomou pelo menos 1/4 de 2023 e me deixou à deriva no momento em que a última linha de crédito atingiu o topo da tela. Tentei emplacar Hades -- para o qual pretendo retornar ainda esse ano --, mas não encontrei o que buscava. Entendendo que precisava de algo mais substancial naquele momento, iniciei A Plague Tale: Innocence e, em seguida, sua continuação: Requiém. Apesar dos problemas dos dois últimos jogos, pude aproveitar suas campanhas tal como foram desenhadas. Gostei. De qualquer forma, estaria mentindo se não admitisse que ainda sentia falta de TW3; que o sentimento ainda era de luto; que, no melhor dos casos, parecia o fim de um relacionamento. Em busca de algo capaz de preencher esse vazio, fui recomendado por alguns amigos (
@marcoa93,
@dsoon,
@Mackumba e
@Dethstrife, aos quais verdadeiramente agradeço) a experimentar Mass Effect. Este vazio logo seria preenchido por outro, como os colegas verão adiante, e este é o início da minha jornada.
Antes de qualquer coisa que possa ou deva dizer, admito ter estranhado -- e muito -- assim que a campanha começou. Trata-se, como sabemos, de um jogo antigo (publicado em 2007, para ser mais preciso) e como tenho jogado coisas bastante recentes nos últimos tempos, foi inevitável não sentir algum nível de contempto, sobretudo no esquema de controles, modelos dos personagens, animações e até na demora para a resposta de comandos mais básicos. Evidentemente, sabia de suas limitações, especialmente em razão do tempo de seu lançamento. Por este motivo, busquei manter em mente este fato até para que fosse possível encarar determinados aspectos, hoje identificados como problemas, de forma mais natural. Algumas coisas, por outro lado, entram na esfera do pouco admissível e causam rapidamente sensação de repulsa. Isso tudo posto, a ninguém espantaria dizer que fiquei com medo de não conseguir mergulhar na obra -- e eu não poderia estar mais errado.
O jogo foi bastante prático quando apresentou, logo no início, em Eden Prime, aquilo que, por quase toda a sua extensão, seria o plot; seu combustível. Como alguém ávido por materiais de ficção científica, não poderia ter ficado mais curioso. Via de regra -- e quem me conhece sabe --, sou muito mais dialético do que cartesiano, mas essa abordagem pragmática na narrativa me instigou. A dita "abordagem", verdade seja dita, foi também uma surpresa, pois as obras atuais apresentam um nível de preocupação, por vezes exagerada, no que diz respeito à introdução. O contraste aqui, portanto, é patente. Naquela altura ainda não estava claro que rumo as coisas tomariam, e o jogo, desde o começo, fez questão de deixar claro que seria necessário muita investigação. Se por um lado é possível destacar incontáveis defasagens técnicas, por outro, a possibilidade de um conteúdo valiosíssimo -- que não demorou a se provar.
Os personagens da obra são realmente muito bons e apresentam todos um alto nível de background. Eles não apenas agregam à história, muito menos são escalados ou usados pelo jogo como meras ferramentas em função do protagonista -- que foi uma das minhas críticas ao HFW, por exemplo --, mas oferecem àqueles verdadeiramente interessados pelo universo de ME camadas maiores de profundidade. Não só os diálogos, é claro: os materiais disponibilizados para a leitura enriquecem a lore na medida em que somos contextualizados sobre as diferentes espécies, sobretudo as sapientes, oferecendo um pano de fundo que justifique seus respectivos comportamentos, motivos pelos quais destacam-se contínua desconfiança e, não menos frequentemente, preconceito. Todos esses elementos são muitíssimo bem apresentados num ritmo decente e fazem jus à trama, respeitando o tempo total de jogo, que não é tão longo assim (apesar de ter levado cerca de 90 horas para a conclusão).
A história é sensacional. De novo: sensacional. Se ainda não ficou claro:
sen-sa-ci-o-nal. Quando falamos de plot twists principais, o jogo entrega não um, muito menos dois, mas três. Vale dizer que o último, relacionado a uma determinada criatura, me deixou verdadeiramente atônito. Sabe o ato involuntário de ficar boquiaberto sem acreditar nos próprios olhos? Então, falo desse mesmo. Não era para menos: todos os materiais sobre a tal criatura foram, desde o início, bastante conservadores e sucintos, escritos, contudo, de modo que o player fosse levado a crer que havia algo faltando -- e havia, certamente. Naquele momento, uma fila inteira de dominós caiu e eu literalmente dei uma pausa para pegar uma água com gás, respirar e absorver a informação. Espanta o fato de que o título tenha conseguido segurar tal informação e entregar no momento ideal com tamanha qualidade. Mais uma das várias boas surpresas do primeiro ME. Voltei, parti para a sequência final e concluí a campanha.
Acerca da exploração, rumo ao hub: Citadel (que é onde realmente começamos e o lugar para o qual voltava recorrentemente em busca de sidequests). Trata-se de um local importantíssimo e é composto, do ponto de vista do jogador, principalmente por dois setores de tamanho razoável: Wards e Presidium. É possível explorá-la em sua integralidade sem que haja um ícone indicando o que fazer, para onde ir ou com quais NPCs conversar, diferentemente da maior parte dos game designs atuais, o que é um ponto mais do que positivo para mim. Até ali, a exploração estava bastante agradável, mas foi somente quando o jogo disponibilizou a viagem pela galáxia o momento em que fui completamente dragado. Não fazia ideia de que funcionaria daquela forma e isso, por si só, foi uma surpresa enorme, já que, apesar das limitações do título, a sensação de liberdade pelo simples fato de poder viajar, ainda que de forma restrita, por quase toda a extensão daquilo que conhecemos por Via Láctea é uma experiência inédita para mim.
Outro aspecto importante do jogo -- e de qualquer jogo, na verdade -- é a gameplay, e eu certamente não poderia deixar de comentá-la. Em outras oportunidades, mencionei o fato de que, para mim, ela é bastante sofrida. Mantenho a posição. É [a gameplay] bastante truncada, engessada e dá pouca margem para improvisação. Os combates, via de regra, são travados em ambientes fechados. Junto disso, a câmera próxima ao ombro, especialmente nas situações de cover, me causou frequentemente uma sensação claustrofóbica. Ainda assim, é possível apontar seu lado positivo: trabalho em squad. Mesmo com todas as suas limitações, a possibilidade de um trabalho constante em equipe e também das mecânicas de comando aos companions é capaz de transformar os momentos de gunplay, ofecerecendo considerável dinamismo. Nesse sentido, aproveito a ocasião para deixar uma dica: explorem. Muito embora tenha tocado no tópico anteriormente, é importante frizar que foi a exploração a responsável por ter viabilizado uma gameplay ainda mais divertida, uma vez que recompensa com excelentes equipamentos.
Por último, mas não menos importante, a experiência nesse jogo é, sim, digna de algumas considerações. Primeiro de tudo: trilha sonora. Ela, ao mesmo tempo, tem uma clara natureza sci-fi, mas é calma, relaxante e muito introspectiva. Caiu perfeitamente, devo dizer. Em seguida, a imagem da vastidão do universo que embala o jogador ao som das OST. É inevitável não se emocionar. Foram incontáveis as vezes em que tudo o que eu fazia era encarar a tela, olhando para aquilo que seriam as galáxias e estrelas bem lá no fundo. Nesta situação, precisamos concordar que também é inevitável não pensar como somos pequenos e que, a despeito de uma capacidade absurda de sentimentos, da habilidade de nos percebermos e de compreender e depreender a realidade propriamente dita, a nossa existência não é muito mais do que um breve suspiro. Quero dizer, olhar para essas incontáveis galáxias e estrelas à borda de um sistema é um choque de realidade. Neste momento, não posso me furtar, e então vos pergunto: afinal, estamos sozinhos? É irônico pensar que o vazio do universo consiga, ao mesmo tempo, gerar tamanha perplexidade e admiração. Não é?
Sim, eu sei: temos problemas mais urgentes para lidar aqui na Terra nesse momento, mas não subestimem o peso da pergunta, pois ela é assustadora. Ora, quando somos colocados diante de algo tão grandioso, resta apenas terror e contemplação -- e nada além. Apesar de não ser o verdadeiro Cosmo, artisticamente a representação é muito fiel e é certamente alcançada com distinto louvor pela BioWare, uma vez que recheia o imaginário do observador com a conhecida vastidão. Defintivamente, gostaria, um dia, de participar de uma viagem espacial -- ora, quem não? --, mas é evidente que isso nunca ocorrerá. Em alguma medida, não obstante, posso dizer como acho que seria e de que modo encararia uma experiência dessa magnitude. E por isso, amigos, digo que há uma viagem ainda mais distante de todas aquelas já feitas pelos tripulantes da Nasa, SpaceX e demais agências: a que fazemos para dentro da nossa mente. Sabendo disso, não há instrumento mais poderoso para a tarefa do que um bom e velho jogo de videogame, especialmente um que proponha uma boa música, uma excelente história e, no fim de tudo, uma grande experiência. Afinal, sem amarras criativas, tudo (absolutamente tudo) é possível -- ainda que por uma fração de segundo.