O tópico é bom mas as dicas nem sempre são boas.
Um usuário tem uma parceira com graves problemas psicológicos e a dica dos caras é largar e não olhar para traz. Será mesmo que essa decisão é a melhor? Será que ela não precisa de ajuda?
Pois é. Será que o usuário não pode ao menos tentar ajudá-la? Pois talvez ele seja o único que ela confie e que faça ela ter vontade de mudar/melhorar.
Enfim, até penso as vezes em pedir dicas aqui mas aparentemente quem dá dica tá mais perdido que eu.
Eu trabalho com psicanálise e já trabalhei em manicômio judiciário e te digo, sem grandes problemas, que esse conselho é especialmente útil pra quem tem predisposição a ajudar denais. Segue minha explicação antes de querer me xingar: as pessoas que querem ajudar demais tendem a, de modo geral, esperar que possam ter um efeito direto na depressão do parceiro ou da parceira. Newsflash: você não pode. Mesmo profissionais têm uma dificuldade imensa com pacientes em depressão por ser uma doença que geralmente carrega comorbidades consigo (mais de uma doença) e ser uma doença da qual o paciente muitas vezes parece não querer se ver livre. É estranho, mas é algo próximo do "essa dor eu ja conheço", algo que o Freud chamava de benefícios secundários das doenças. Ademais, a depressão é uma doença na qual a transferência (relação terapeuta-analisando/paciente) é extremamente difícil, a aceitação de certas coisas é ainda pior, o índice de auto destrutividade é enorme e a propensão a atividades repetitivas sem sentido de maneira compulsiva é uma constante.
Em termos de causas, existem muitas hipóteses que funcionam em casos distintos, mas nenhuma é única e/ou unificadora em relação à doença (i.e. como a presença de virus específico é causa da gripe). Te dou alguns exemplos.
Tem um livro chamado "Música do tempo infinito" de um colega de profissão que relaciona os quadros de depressão e a estrutura psicológica deles com o capitalismo e com uma forma de diversão comum nele, a saber, as festas rave. Em vários artigos sobre neurociência, os psiquiatras responsáveis relacionam a doença a falta de determinados componentes químicos no cérebro. Há quem pense, ainda, que o depressivo funciona, estruturalmente, de outra maneira. Há ainda quem relacione depressão e melancolia e essas duas com a criatividade, algo comum desde Aristóteles.
Como você pode ver, é uma doença extremamente misteriosa e desgastante mesmo para profissionais que se dedicam a pesquisar isso. Ora, uma pessoa comum, que tem a boa intenção de ajudar por ter um vínculo romântico, nessa situação, só pode ajudar se e somente se for capaz de reconhecer a própria impotência em momentos de crise do parceiro doente. Ademais, precisa não se considerar inútil nem tornar a doença algo sobre sua incapacidade. É ainda pior do que ter um parceiro com hérnia de disco (minha mãe tem, eu via/vejo como meu pai fica quando ela tem crise) porque você não tem nada de físico para ser visto, por um lado e, por outro, sua presença devia ser capaz de alterar o estado da pessoa. Você rapidamente começa a supor que você ou é inútil ou a pessoa tá de sacanagem, não te ama, etc.
Quando me pedem conselho sobre namorar alguém com alguma doença psíquica, meu reflexo é sempre desencorajar precisamente porque o que eu disse acima parece fácil, mas é a reação que sempre aparece e acaba quase sempre fazendo com que o parceiro precise de algum tipo de suporte também. Mergulhar nisso com alguém é algo que só deve ser feito por quem tem muita resiliência psíquica e, bem francamente, a maioria das pessoas é muito frágil nesse departamento. Se a pessoa ainda assim quiser, não acho nada louvável nem deplorável, bonito nem feio, acho uma escolha difícil que deve ser tomada apenas depois de saber no que se está enfiando. A narrativa do "amor conquista tudo" ou "fulano vale a pena" quando usada para justificar esses comportamentos acaba por trazer mais ressentimentos e dificuldades do que uma escolha que considere o quão difícil vai ser o caminho a seguir. Doença psíquica é uma coisa muito séria e que deve ser tratada como qualquer enfermidade: suporte do grupo à volta e tratamento por profissional especializado. O amor não substitui a técnica e quem desrespeita isso aprende da pior maneira possivel, infelizmente.
Note, o que eu disse serve pra depressão, as três variações de psicose, BPD, anorexia/bulimia e de imediato acho que só. No geral, qualquer morbidez psíquica que deixe a pessoa instável e reduza demais a auto estima dela ou dele vai tornar a relação algo muito desgastante e, sejamos honestos aqui, nós fomos alimentados com Hollywood e, portanto, esperamos algo mais descansado das relações. Nada de errado com a expectativa: o problema é achar que você é herói/heroína de rom-com que vai salvar seu parceiro, que costuma ser o caso tanto de homens quanto de mulheres (esse comportamento é bem democratico em relação ao gênero, basta gostar da pessoa).
Antes que inicie ad hominem do tipo "quero ver se você se apaixonar por uma" é bom ressaltar que namorei duas mulheres depressivas. Uma hoje está feliz, casada com um dos netos do Ferreira Gullar e a outra sumiu. Nos dois casos o relacionamento foi instável, permeado por uma insegurança constante quanto ao estado de saúde delas e comigo em um processo similar à terapia de grupo (profissionais que namoravam pessoas com a doença se juntando pra falar) em concomitância com o namoro. Não me arrependo porque sabia onde estava me metendo muito bem, mas não finjo que foi "uma relação igual as outras" porque não foi. Exigiram muito mais de mim do que qualquer outra relação porque exigiam um comportamento de saber meu próprio limite. Eu treinei e ano que vem volto ao kyokushin cujo lema é justo para superar seus limites e cresci com essa narrativa de 100% é pouco, o mundo quer 120%. Me dizer "você não pode fazer nada" enquanto alguém que eu amo sofre é um golpe baixíssimo. Foi uma escola de aceitação dos limites e não fosse minha resiliência um pouco acima da média por conta das experiências difíceis da pesquisa (leiam holocausto brasileiro para terem uma noção) eu teris ficado bem pior.
Pra alguém que tentou questionar o que é normal e o que não é e tentou argumentar a partir do medo (provavelmente porque se sentiu ofendido/ofendida pelo comentário do usuário por essa pessoa citado/citada) eu diria que, de fato, ninguém está imune e, de fato, ninguém pode definir normalidade. No entanto, todos estão livres para definir o quanto estão dispostas a aguentar por uma outra pessoa. Ninguém é obrigado a ficar com outra pessoa pelo fato de esta ter doencas psíquicas. Acredite em mim, mais de dez pessoas já choraram na minha frente quando cogitaram ou concluiram que seus parceiros só estavam com elas porque elas estavam doentes ou seja, para poder ser um mártir ou dizer que fez a coisa certa. Pouca coisa num relacionamento é pior do que se saber tolerado por alguém que você ama. É uma disparidade de desejos muito grande e muito difícil de engolir. A pessoa agora se sente mal duas vezes: uma pela doença, outra por se achar um peso. Como dizia o Freud, esse é um daqueles casos nos quais seríamos muito melhores se não quiséssemos ser tão bons.